Estraga- albardas

O estroina anda outra vez destrambelhado. Assim que lhe caíram uns cêntimos a mais no ordenado, desatou a fazer vida de rico. Ou a imitá-la.

O número de famílias endividadas tem vindo a aumentar. Cresceu muito no ano passado. Houve 29.350 pedidos de ajuda ao Gabinete de Protecção Financeira da Deco. Mais 350 do que no ano anterior. Há quem não tenha conseguido pagar, em 2018, o empréstimo acabado de contrair… em 2018. Provavelmente porque 2018 não teve 24 ou 48 meses como seria devido.

Em cada família super-endividada há pelo menos um estroina superlativo. Normalmente o superlativo é o chefe de família. O chefe que é chefiado. Não por si mas por uma vontade sua. Ou dos seus. Uma grande vontade. E muito bem medida.

O estroina superlativo é o antigo estraga-albardas. Um remediado que quer deixar de o ser. Que quer, pode e perde. Evolui de teso para teso. Ou de rico azarado para rica pessoa. Involução natural.

O estraga-albardas de hoje continua como o arcaico. Estraga a albarda mas não a monta. É montado. É o burro que estraga a sua própria albarda. E não sente nenhuma das cangas que carrega. Menos ainda, as palas que lhes metem nos olhos.

Então não é tão bom andar à nora. Sem sair do trilho. À volta do umbigo. Circular. Circular muito. Circular até que os cascos nos doam. Giro mais giro não há. Circular é viver.

As albardas e as cangas do nosso tempo são infinitas. E têm infinitas configurações. Moradia, apartamento, carro novo, smartphone de última geração, vestido de estilista, férias em resort de luxo.

E quem goza com as albardas? Os novos albardeiros, claro. Albardam o burro à vontade do dono. O burro não percebe que não é o dono. O dono da casa não é quem a habita é o CEO da financeira. O dono do carro não é de quem o conduz mas de quem tem motorista para conduzir o seu topo de gama. O dono do telemóvel não é de quem fala mas de quem está em silêncio a olhar para os números. E o que faz as contas em silêncio ri-se do que faz de conta ruidosamente.

O cartão de crédito é realmente de quem tem lá o nome, cunhado a letras douradas. O dinheiro virtual que é suposto lá estar não lhe pertence. E vai crescendo como um mostrengo imparável. E impagável. À razão de juros. Jura?

E então o estraga-albardas ataranta-se. Pouco. Sabe vagamente que está a dever. E que deve cada vez mais. Mas se não conseguir pagar que se lixe. Não pensar no assunto sempre foi a melhor forma de pagar. Fica resolvido. Até que a execução seja accionada. E, a partir desse dia, o executado ficará mais leve. Por muitos e longos anos.

O estraga-albardas nunca soube o que era um pé-de-meia. Nem uma meia rota. Julga que um ovo de coser meias é um ovo cozido posto por uma galinha rija. Execra remendos. Odeia o seu estatuto de remediado. Não tem remédio. O outrora poupado só o é, em tempos de crise. Poupado à força. Mas não aprende com a força. Tem esta fraqueza.

O nosso bom povo é estraga-albardas. Sempre o foi. Nunca deixará de o ser. Quem esbanjou fortunas seculares, adquiridas com a pimenta da Índia ou o ouro do Brasil, não consegue viver à grande com um cartão de crédito? Ai consegue, consegue. O estraga-albardas é um conseguido. Impagável.

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