Insolvência de pessoas singulares

Para além das pessoas colectivas, sociedades comerciais, sociedades civis e outras entidades, o Código da Insolvência prevê que também possam ser objecto de processo de insolvência as pessoas singulares. E define como estando em situação de insolvência, o devedor que se encontra impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas. Contudo, o processo não tem como objectivo exclusivo a liquidação do património do devedor insolvente, pois, também pode visar, quando tal se afigure possível, a sua recuperação. E quando o devedor for uma pessoa singular, a lei também prevê que possa ser-lhe concedida a “exoneração do passivo restante”, isto é, que possa, mediante certos requisitos e condições, ficar desobrigado de pagar os créditos que não forem pagos no processo de insolvência ou nos cinco anos posteriores ao encerramento desse processo. Uma vez decretada pelo juiz a dita exoneração, tal tem como consequência a extinção de todos os créditos (exceptuando créditos por alimentos, créditos tributários, créditos for factos ilícitos e créditos por multas ou coimas) sobre a insolvência que eventualmente ainda subsistam.

Esta possibilidade de extinção de créditos tem como objectivo primordial conceder uma “segunda oportunidade” ao devedor singular que caia em situação de insolvência, de recomeçar vida nova (“fresh start”) no fim do período de cinco anos subsequentes ao encerramento do processo de insolvência, permitindo que se liberte do passivo que contraiu e que não consiga pagar no âmbito do processo. Na base deste normativo legal está a ideia de um equilíbrio entre os interesses dos credores na satisfação dos seus créditos e o interesse do devedor em poder alcançar uma nova vida, o que passa por sacrifícios para ambas as partes. Naturalmente, se se trata de “passivo restante”, é porque durante o período de cinco anos algumas dívidas serão pagas. Durante esse período, que aliás é denominado por “período de cessão”, os rendimentos da pessoa do insolvente são considerados cedidos a um administrador de insolvência, neste concreto designado por “fiduciário”, escolhido pelo tribunal.

Nesse período, o devedor apenas disporá de um rendimento que lhe assegure o “sustento mínimo digno” para si e para o seu agregado familiar, sendo o restante rendimento disponível entregue (cedido) ao fiduciário que pagará aos credores. Esse rendimento para o sustento minimamente condigno do devedor e do seu agregado familiar será decidido pelo juiz do processo de insolvência, atentas as circunstâncias concretas do caso em presença, mas impondo a lei o limite máximo, salvo justificação fundamentada, do valor de três vezes o salário mínimo nacional. Quanto ao limite mínimo, a lei não o quantifica objectivamente, deixando ao juiz que decida qual será, no caso concreto, o valor que garanta esse sustento minimamente condigno do devedor e do seu agregado familiar. Contudo, a jurisprudência tem entendido que o salário mínimo nacional será o valor indicativo do montante mensal considerado indispensável a uma subsistência minimamente condigna.

Clarificando, esse rendimento fixado ao devedor no período de cessão, não visa assegurar-lhe o estilo de vida que tinha antes da situação de insolvência, apenas visa assegurar-lhe uma vivência minimamente condigna, devendo adaptar-se às circunstâncias. A jurisprudência tem defendido que “a situação de insolvência tem como primeira consequência a impossibilidade de manutenção do anterior nível de vida do devedor, num sentido de responsabilização do mesmo perante os credores”. E bem se entende esta responsabilização na medida em que a exoneração do passivo restante pura e simplesmente equivale a um perdão de dívidas, com a consequente perda para os credores dos seus créditos.

 

Nota: Na edição em papel, do mês de junho, por lapso não foi publicado o final do texto. Pelo facto pedimos desculpa ao autor e aos leitores. 

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