E no entanto, ela mantém-se!

Quando Galileu Galilei foi apresentado ao Tribunal da Inquisição, foi forçado a retratar-se na sua tese heliocêntrica, declarando que a Terra não se movia no firmamento. Após a sua declaração, o astrónomo terá murmurado “e no entanto, ela move-se”, num momento de desafio ao tribunal que o julgara.

O Ministro das Finanças, Fernando Medina, destacou recentemente numa audição parlamentar, o recuo da dívida pública para cerca de 113,8% do Produto Interno Bruto, um valor que recua para “níveis pré-pandemia e pré-troika”. A redução deste indicador assume particular impacto quando se verifica que este tinha estado em máximos históricos em data tão recente como 2020, quando se elevou aos 134,9% do PIB.

Dito desta forma, parece um resultado aparentemente “mágico”, com o Governo a conseguir um resultado extraordinário de redução da dívida pública. Será assim? Vamos por partes.

A primeira coisa que temos de salientar neste número é que o mesmo se traduz num rácio, entre Dívida Pública e Produto Interno Bruto, uma medida de produção de bens e serviços na economia. Portanto, quando alguma destas variáveis se altera, o rácio também se altera. À primeira vista, e sem qualquer ideia dos valores subjacentes, pareceria que a consolidação orçamental do Estado estaria a surtir efeitos e que a dívida pública estaria a ser reduzida; não é o caso. De facto, a dívida pública portuguesa apresenta os valores mais elevados de sempre, ultrapassado os 274M de euros, segundo os dados da Pordata. Se o valor absoluto da dívida está em valores record, a explicação da descida do valor recai sobre a outra variável do rácio, o Produto Interno Bruto.

O INE reviu ainda este mês os números de crescimento para 2022, concluindo que o PIB teve um crescimento de 6,7%, em termos reais, ou seja, já acomodando os efeitos da inflação. Este surpreendente crescimento do PIB é o valor mais elevado em décadas, e é algo que contraria as previsões de recessão que pairavam há alguns meses. Esta variação positiva é fortemente suportada pela procura interna, que embora tenha sofrido alguma desaceleração em relação a 2021, ainda assim mantém uma considerável influência e pelo aumento das exportações, que tiveram um enorme crescimento em 2022.

Nesta última, refira-se a enfâse na componente de turismo, que teve uma variação de 80%, segundo o Destaque do INE, demonstrando que a indústria do turismo tem um papel fundamental no nosso destino económico.

Por outro lado, destaca-se a desaceleração das componentes de investimento e consumo público na contribuição para o PIB; a atenuação da componente de investimento é particularmente preocupante, dado que é deste que normalmente advém ganhos de produtividade e de produção no futuro. A redução de investimento hoje poderá traduzir-se em PIBs mais baixo no futuro.

Tudo tendo em conta, a forma como se comunica a descida da dívida pública é algo falaciosa; em termos absolutos, a mesma continua em níveis de máximos históricos; a produção da economia é que cresceu de forma significativa, o que se traduz numa variação auspiciosa do indicador. Realmente, o aumento do PIB traz boas indicações para uma sustentabilidade da dívida, e da possibilidade do seu pagamento, mas falar de redução de dívida pública é um pouco exagerado.

Parafraseando Galileu Galilei, a dívida diminuiu… e no entanto, ela mantém-se!

 

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