A minha colaboração para este belíssimo jornal não remonta a Abril de 2000. Por essa altura tive a minha primeira oportunidade de viver e estudar fora de Portugal e em paralelo iniciar o meu primeiro projecto, uma casa nova para a família em Vale de Lousas, Alcantarilha. Mais tarde, nesse mesmo Verão, li o primeiro número do Terra Ruiva que partilhava à altura as preocupações ambientais de alguns cidadãos do concelho com a preservação dos sapais de Pêra. Preocupado estava eu também com o impacto da Via do Infante e da conurbação Alcantarilha-Pêra-Armação de Pêra que se antecipava. Conscientes que estávamos todos dos malefícios que o lucro fácil da construção e mercado imobiliário nos haviam imposto, este cenário de futuro era algo em que não acreditava.
Vinte e um anos depois, o município continua a contratar a expansão urbana do triângulo urbano com mais um Plano Pormenor, desta vez o Baleizão da Quinta do Rogel. Um antiga estrutura agrária do concelho, hoje repartida entre armazéns industriais, explorações de areia abandonadas e cimenteiras. Com a contratualização por parte do município com a empresa promotora Urbanipera, caminhamos rapidamente para a urbanização total da Lameira à Galé, e afastamo-nos cada vez mais da preservação dos sapais de Pêra que o Terra Ruiva noticiava no seu n.00.
A missão e interesse que hoje tenho em escrever para o Terra Ruiva, e em particular na resposta ao repto lançado pela Paula Bravo, resulta de uma reflexão pessoal e motivação genuína em aprofundar e discutir manifestações contemporâneas de ocupação da paisagem e do território do concelho. Ao fim de duas décadas, em que dediquei grande parte do meu tempo ao estudo, prática e ensino da arquitectura, acredito ter competência e aptidão para analisar e criticar ideias novas e complexas no domínio das transformações que infelizmente continuam a ocorrer ‘na nossa terra’. Apesar do tempo em que me mantive longe, penso ter legitimidade e ao mesmo tempo a necessidade, de regressar a Messines, a Alcantarilha, ao concelho …, e ingressar numa jornada de observação, análise e estudo rigoroso onde os temas da construção da paisagem, da arquitectura, da organização do espaço e representação são por mim articuladas com autenticidade e crítica neste espaço de opinião.

Num artigo de opinião no ‘Público’ de hoje, Carmen Garcia a enfermeira autora de “Mãe imperfeita” da Ego editora, escreve no contexto da crise sanitária e alheamento social que vivemos hoje, que “nenhum de nós pode estar tão preso à sua própria singularidade que ignore que a harmonia social depende da liberdade colectiva”. Ora, no Algarve a nossa liberdade colectiva tem sido constrangida pela aquiescência do visionário herói, promotor imobiliário, construtor e político, um enredo com raízes profundas na aspiração contemporânea do indivíduo de sucesso. No entanto acredito que agora já não há mais tempo para expectativas, a promessa de um futuro só tem caminho numa ideia nova de comunidade e bem comum.
De forma a compreender as expectativas que hoje definem a ambição comum – na sua capacidade de produzir e manipular espaço, ambiente ou paisagem – acredito ser importante continuar aqui no Terra Ruiva, a abordar a mobilização colectiva decompondo suposições e mitologias de ideologias e práticas do passado. Quero assim, continuar a explorar, sem receio de contradições comigo próprio e com os meus, noções básicas de ‘linguagem’, ‘material’, ‘técnica’ e ‘edificação’, pretendendo incitar os leitores e a sua prática do quotidiano, dentro e fora das suas rotinas e hábitos, à mudança abrindo a discussão a novas mitologias e compromissos perante o todo e todos.
No programa de conteúdos que tenho pensado para próximos artigos no Terra Ruiva quero principiar com histórias e narrativas de modernidade e terminar com o confronto das mais bizarras técnicas de sobrevivência da prática contemporânea. Durante este percurso pretendo continuar a expor as influências da narrativa actual, da comunicação popular, e ideias de desenvolvimento global no papel de um arquiteto entre a generosidade que assumimos num projecto e a agenda de uma prática global. Na expectativa de comunicar, conceber e projectar temas e assuntos fundamentais e originais, agradeço a todos os leitores a atenção e a oportunidade, apresentando por agora os melhores cumprimentos.
S.Bartolomeu de Messines, 28 de Março de 2021
Ricardo Coelho Guerreiro da Silva Camacho


