O MOINHO VALENTIM
Descendo o arade este rio
Ele fica na margem direita
Onde também fazia frio
E ninguém quer fazer desfeita
Havia ali aquele velho moinho
Onde morava aquela gente boa
Ao fim de semana era um burburinho
Juntava-se ali muita pessoa
Uns iam para apanhar caranguejos
Outros, alguns peixes com artimanhas
Felizes matavam ali os seus desejos
Alguma coisa do rio sempre apanhas
Amigos da ti Maria Joaquina
E também do ti António Valentim
Os dois irmãos tinham a sua sina
E ali estiveram até quase ao fim
Gente que ia pé até ali vindo da cidade
Juntavam-se em grande associação
Apanhavam petiscos no rio arade
E todos comiam em boa união
Com redes e com um tresmalho
Alguns peixes sempre apanhavam
Coisas feitas com algum trabalho
E depois tudo ali eles cozinhavam
Levavam de casa o bom vinho
Para ajudar a confraternização
Ninguém ali estava sozinho
Todas as semanas havia animação
Ficavam felizes os dois velhotes
Quando chegava ali toda a malta
Alguns até vinham em botes
Só quem ali está é que faz falta
Uma mesa enorme era montada
Para quem de Silves ali chegar
Ficava a malta toda animada
Divertiam-se e também a pescar
Cantavam e dançavam se divertindo
Pescando comendo e bebendo
Em conjunto todos se iam rindo
E assim as pessoas iam vivendo
Tio Valentim os copos gosta de beber
E de vez em quando para a cidade vai
Esquecesse do que a irmã irá ter
E da tasca nunca mais ele sai
Dias de chuva neste inverno
E as marés que vêm cheias
Ti maria do moinho no inferno
Tem água por cima das meias
E a boa farinha tem de guardar
Pois a água está louca a subir
Carrega as sacas para o primeiro andar
E o seu irmão não há meio de vir
A vida deles tem sido a moagem
E que ganham com isso o quinhão
Ninguém andava na vadiagem
E com isso tinha a sua razão
É horas de aproveitar a maré
Encher o açude e mesmo moer
Pôr as mós a rodar e fazer banzé
Antes que a maré comece a descer
Eles os dois eram gente boa
Que moravam lá no moinho
Por isso ia para lá toda a pessoa
A pé todos chegavam devagarinho
O moinho não era sua propriedade
Pois eles só tinham a concessão
O dono era o Dr. Afonso da cidade
Homem que tinha sempre a razão
Eles os dois viúvos ficaram
Mas continuaram a trabalhar
No moinho sempre moraram
Saíram quando velhotes a ficar
De minha mãe ti Valentim era tio dela
Tia maria do moinho era a sua avó
Que aos fins de semana ia ter com ela
Ficava muito feliz quando via rodar a mó
E hoje quem por lá passa
De quase nada se vai notar
Onde ali se fez muita massa
Nem as paredes puderam ficar
Se por cima eram os quartos de dormir
Na parte de baixo era tudo e o moinho
A vida era toda feita sempre a dividir
Longe se via do rio ou pelo caminho
É claro que eu isto não conheci
Coisas antigas sempre me interessou
Me foi contado mas parece que vivi
Tudo isto minha mãe é que me contou
A primeira vez que lá fui foi com o meu pai
Mas tenho pena de a isto não ter assistido
Mós no chão e paredes caídas que já lá vai
Foi só o que vi pois antes não era nascido
Lá voltei mais tarde com o que aprendi
Levei sardinhas rede e fio e os desejos
Numa acalmia e sossego que ali vivi
Feliz no açude apanhei caranguejos
Carlos Reis 09-04-2020


