A vocação religiosa nasceu naturalmente no seio da família, e hoje António Martins, é o capelão da Capela do Rato, em Lisboa, um espaço muito especial no seio da Igreja Católica portuguesa.
Nascido na freguesia de São Bartolomeu de Messines, “o padre Martins” como é conhecido na sua terra natal, doutorado em Teologia Dogmática, na área da antropologia teológica, pela Faculdade de Teologia da Pontifícia Universidade Gregoriana, em Roma, diz que o seu percurso começou com “uma inquietação existencial, por uma pergunta sempre tão pessoal. E a minha foi-se clarificando: que realidade é esta de sermos corpo, matéria e consciência, inteligência e afeto, sentir e pensar, amar e padecer, vida e morte?”
Poderia começar por falar da sua infância e juventude, em São Bartolomeu de Messines, depois em Silves, na Escola Secundária… como foi esse tempo?
Nasci no interior da serra algarvia, num sítio chamado Vale Bravo, hoje perto da Barragem do Funcho. Filho de uma família de agricultores, nasci inserido na natureza, nos seus silêncios, nos seus sons, na geografia de montes e vales. Quanto mais a minha vida se desenvolve em meio urbano, mais tomo consciência das minhas origens rurais. E a elas preciso de voltar, de as tocar mesmo, para me sentir eu. Sou filho das entranhas da serra algarvia, uma espécie de filho pródigo… Messines-Vila chegou já numa dinâmica sociológica de êxodo rural, no início dos anos 70. O mundo rural era duro, parecia sem futuro. Os meus pais não queriam dar aos filhos o mesmo destino que fora o seu. Cheguei à Escola Secundária de Silves em 76, num tempo ainda de greves gerais de alunos, de assembleias de voto com a mão no ar, de longas perturbações no começo letivo do ano. Vivi na Escola de Silves um tempo de fecundo relacionamento entre professores e alunos. Erámos felizes e não sabíamos. Recordo, com toda a gratidão, quanto o meu gosto pela história passou pela «loucura» de um jovem professor (José Alberto Quaresma) que levava os alunos a consultarem o arquivo concelhio, a desfolhar livros do século XVI cheios de pó e de traças e a identificar o registo de escravos. A viver mais escola para além da estreiteza da sala de aula e da rigidez dos programas… Com cruzamentos com o cinema e a arte. Esta foi a marca criativa que deixou numa geração de alunos. Passando com a mão pelo cabelo dos alunos, hoje gesto impensável, dizia que lhes estava arrancando os piolhos da inteligência.
Fomos colegas de escola e lembro-me que muito cedo, demonstrava essa vocação religiosa, quando começou? E porquê, como? Consegue-se explicar essa vocação, esse “chamamento” como algumas pessoas descrevem?
A vocação religiosa aconteceu naturalmente no seio de uma família católica, mas com ramos de prática religiosa bem diferenciados. Cresci a ser levado à missa pelos meus avós paternos. Lá ia de burro agarrado ao avô, para ficar extasiado com incenso das solenidades da missa. No seu colo aprendei a rezar e também a me exilar em momentos de maior tensão materna. O meu imaginário de criança crescia com os relatos da vida dos santos, cujas pagelas colecionava e partilhava com os primos. No pós 25 de Abril aconteceu um tempo de afastamento acelerado da prática religiosa. Em Messines restava um pequeno grupo de cinco acólitos, e um deles era eu. Também passei por um tempo de afastamento, aí pelos quinze anos. Pelos dezoito anos colocou-se a questão vocacional de ser padre, que logo foi adiada. Nem eu estava muito convicto, pois queria seguir história ou direito, nem o clima familiar era muito favorável a essa aventura. Foi depois de ter vindo estudar para Lisboa e a partir do festivo encontro de João Paulo II com aquela massa de juventude no Parque Eduardo VII, em Maio de 82, que a vocação surgiu com evidência.
Pode falar um pouco do seu percurso… é licenciado em Teologia pela Universidade Católica, fez o doutoramento em Teologia Dogmática, na área da antropologia teológica pela Faculdade de Teologia da Pontifícia Universidade Gregoriana, em Roma… pode explicar ao leitor, os conceitos básicos desta área de estudo?
Também digo que esse processo teve uma evolução normal. Ao longo do curso de teologia fui descobrindo e aprofundando assuntos e selecionando temas de eleição. Toda a aventura intelectual começa por uma inquietação existencial, por uma pergunta sempre tão pessoal.
E a minha foi-se clarificando: que realidade é esta de sermos corpo, matéria e consciência, inteligência e afeto, sentir e pensar, amar e padecer, vida e morte? Depois veio a convicção profunda que de o cristianismo proclama a glória do corpo, defende a integridade da pessoa, apesar de tantas ambiguidades ao longo da sua história.
A teologia dogmática procura interpretar e atualizar as formulações dogmáticas da tradição cristã a partir dos desafios culturais e existenciais do tempo presente. Os dogmas não são fósseis: são produtos de linguagem, esculturas de um tempo que precisam, continuamente, de serem reinterpretados. São linguagens minimalistas, paradoxais, que expressam o consenso de fé de uma comunidade. Os mínimos necessários de um entendimento comum. Procuram assegurar sempre a unidade da experiência cristã, fazendo coincidir polos opostos, unidade e Trindade, Deus e Homem, liberdade e graça, história e eternidade, humanidade e divindade. A antropologia teológica, área específica da teologia dogmática, procura aprofundar o sentido cristão da condição humana em Cristo.
O que o levou a seguir esta área?
A certa altura houve na Faculdade de Teologia (Lisboa) a necessidade de formar um professor na área da antropologia teológica. Fizeram-me a proposta, aceitei, o meu bispo da altura, D. Manuel Madureira, concordou, e parti para fazer o doutoramento em Roma, na Universidade Gregoriana, onde se cultiva, com rigor científico e profundo diálogo com as correntes do pensamento contemporâneo, uma hermenêutica atualizada das Escrituras e dos dogmas. Voltei a aprofundar a condição corpórea da pessoa, num diálogo entre teologia, filosofia e cultura contemporânea. Quando a fé cristã proclama que um Deus se fez carne, então o corpo está no centro. Porque no corpo humano, Deus e Homem incidem. Que novidade e que subversão! Mas Roma foi também o encanto de contactar ao vivo com as obras de arte dos grandes génios (Miguel Ângelo, Fra Angélico, Rafael, Leonardo da Vinci, Caravaggio, Bernini…), ali diante dos nossos olhos, no próprio lugar para as quais foram pensadas e criadas. Roma foi o deleite da profusão artística, da pintura, escultura, arquitetura, da grande música coral, da ópera e dos coros italianos, do mergulhar no maravilhoso cinema italiano de Rossillon, Pasolini, Fellini, Benigni, Tornatore, Nanni Moretti…, em que drama tem sempre traços de comédia. Foi também o contacto direto com escritores e poetas italianos (em italiano): Ungaretti, Lampedusa, Pirandello, Pavese, Cristina Campo… Ainda tive tempo para estudar qualquer coisa…
Foi ordenado padre em 1989, e passou por algumas paróquias do Algarve. Como foi esse trabalho, que memórias guarda desses anos?
Estive três anos como pároco em Boliqueime e Loulé, numa equipa com mais dois colegas. Foi um tempo de grande generosidade. Era a alegria do início, a oportunidade de concretizar ideias estudadas. Recordo com profunda gratidão esse tempo de entrega incondicional, de intenso trabalho, numa vasta área pastoral, com muitos lugares de culto, onde ainda se vivia um catolicismo com potencialidades de renovação.
Foi um tempo também de intensa proximidade com as pessoas, pois um pároco acompanha as pessoas no seu ritmo de vida, no nascer, no crescer, no casar, na catequese dos filhos, no morrer, no luto… Não há dimensão da vida que fique fora da fé.
Também foi o tempo de tomada de consciência de que a conservação das estruturas atuais nos esgotava energias e era necessário preparar caminhos de futuras respostas. O ritmo de vida de um padre é desgastante, as exigências são tantas. Por vezes não temos mesmo respostas, não sabemos lidar com situações tão delicadas. Para novas situações, também novas soluções. As desolações são profundas, mas as consolações, na linguagem inicianda do Papa Francisco, confirmam a nossa experiência crente, encorajam a fidelidade. Fazem-se amigos para a vida. Ainda hoje o que me mais comove, passados 20, 30 anos, é quando alguém me reconhece e diz: «Casou-nos», «batizou o meu filho»; «Fez o funeral do meu pai…». Nós padres entramos e ficamos na vida de tanta gente, em situações de alegria e de dor. Ficamos a pertencer, sem termos isso muito consciente, a tantas histórias de vida.
Está hoje num local muito diferente, desde que tomou posse como capelão da Capela do Rato, em Lisboa, sucedendo a D. José Tolentino Mendonça. O que sentiu quando foi nomeado para esse lugar de tanta responsabilidade?
Primeiro, foi uma total surpresa a proposta do P. Tolentino para o substituir na Capela do Rato. Quando me chamou, pensava que me ia pedir mais trabalho na faculdade e já levava um discurso preparado… Aceitei como um grande desafio, talvez o maior desafio e a maior oportunidade dos meus últimos tempos. Também com um misto de inconsciência e de ingenuidade. Não posso deixar de reconhecer que vim «habitar» um habitat que desconhecia em termos de contacto direto. Ainda hoje me pergunto sobre o porquê desta proposta e, confesso, que não encontro resposta… A Capela do Rato tem uma carga histórica que precisamos continuamente de honrar e cuidar, seja qual for o capelão de serviço. Mas precisamos de cultivar uma memória criativa, sem saudosismos. Há 50 anos, na passagem de ano de 72 para 73, um grupo de leigos (e leigas), formados na ação católica, estimulados pela doutrina dos Papas e do Concílio Vaticano II sobre a paz, a democracia, a justiça social, não podia mais alinhar com o silêncio dominante sobre a guerra colonial e o adiamento da transição democrática.
Num impulso organizaram uma vigília de oração e jejum convocando para a mesma crentes e não crentes da Cidade e arredores. Pela primeira vez a urgência da paz, como desfiava então o Papa Paulo VI, e a tragédia da guerra colonial foram debatidas, numa comunidade católica (a da Capela do Rato) habituada a ligar fé e compromisso social, liturgia e transformação do mundo. A polícia intervém, a Capela é encerrada e selada, pessoas são presas e interrogadas na DGS. Dois padres são presos. A invasão de um espaço de culto pela polícia provoca um conflito entre a Igreja e o Estado. Nos finais de fevereiro, na Assembleia Nacional, deputados da ala liberal questionam o governo pela brutalidade da intervenção policial e a guerra colonial. Pela primeira vez a imprensa fala abertamente do assunto, pois as atas parlamentares não podiam ser censuradas. Os acontecimentos da Capela do Rato são o acordar da impossibilidade da evolução para a democracia dentro do próprio regime, da ferida a sangrar da guerra colonial. Essa é uma herança ainda aviva na Capela do Rato, hoje, a capacidade de dialogar com a sociedade civil, de debater questões antropológicas de fronteira, de acreditar e apostar numa Igreja que continuamente se reforma e renova, com a participação de todos. A celebração dos 50 anos desta vigília está integrada nas comemorações oficiais do 25 de abril, e vai começar já a 8 de dezembro. O P. Tolentino, a partir de 2010, acrescentou a esta comunidade singular no espaço católico português, de forte corresponsabilidade laical, o diálogo entre a fé e a cultura, cruzando experiências, saberes, histórias de vida, testemunhos pessoais, através da beleza e da criação artística. Hoje a Capela do Rato é um espaço onde poetas, artistas, escritores, produtores de cultura se revêem e podem dialogar. No ano passado, concretizando a consulta às bases pedido pelo Papa, vivemos um fecundo processo sinodal, avaliando oportunidades e limites na atual vida eclesial. A comunidade ofereceu à Igreja uma arrojada reflexão de renovação.
A Igreja Católica atravessa um momento complicado, “um doloroso e exigente caminho de cura e de conversão”, como escreveu, afirmando que “só assim poderemos avançar, reconhecendo as nossas misérias e erros, encontrando força na fragilidade”. Na sua opinião, o que é necessário fazer acontecer para que se recupere a imagem da Igreja e se evitem os mesmos erros?
Antes de mais, dar voz às vítimas de abusos, acolher as suas dolorosas e traumáticas narrativas, o testemunho de suas vidas feridas e humilhas. Esta é a justiça que precisa de ser feita. A exigência de um doloroso e libertador processo de cura, para todos, começa por aí. Foi com coragem e determinação que a Conferência Episcopal Portuguesa criou a Comissão Independente para o Estudo de Abusos Sexuais contra as Crianças, instância em que as vítimas podem confiar e testemunhar livremente. Avaliar a extensão e a gravidade do problema dos abusos na Igreja em Portugal é condição de caminho de cura e de conversão. Aguardamos as conclusões da Comissão e a avaliação a fazer depois. Também é necessária muita cautela na informação, para que não se faça justiça na praça pública, porque todos têm direito ao seu bom nome. Se, eventualmente, há acusação, é necessário que os processos canónico e civil aconteçam com rigor em suas instâncias próprias, para que se faça justiça, para bem de todos. O rigor informativo não pode ser confundido com o empolgamento noticioso, com a meia verdade.
Num mundo complicado, nesta altura tão marcado por acontecimentos tão fortes e perturbadores como a pandemia, a guerra, a seca, as influências das redes sociais, o agravamento das condições económicas,… ainda há espaço para a religião, para a igreja católica? O que deve ser a fé nestes tempos, para que nos pode servir?
Apesar de algumas previsões de futura «conversão ao ateísmo» nas sociedades ocidentais, ou da crescente desvinculação às religiões tradicionais, a dimensão espiritual e o fenómeno religioso, curiosamente, não param de crescer, assumindo até formas bárbaras e fundamentalistas preocupantes.
Por convicção, acredito que haverá sempre espaço para a novidade subversiva da experiência cristã.
Isso não garante a permanência sociológica e cultural da presença cristã num dado lugar. Esta não teve continuidade em muitos lugares onde historicamente foi significativa, como, por exemplo, no norte de África ou na Anatólia. Nas sociedades europeias e ocidentais, prevejo uma presença cristã cada vez mais minoritária, sociologicamente menos significativa, mas talvez com uma maior dimensão profética, um testemunho cristão mais credível. O melhor do catolicismo é essa entranhada paixão pelo humano, esse génio de adaptação à complexidade da realidade, essa sinceridade de inculturação, de viver no e a partir do concreto dos lugares e da vida das pessoas. Esse fazer pontes com o diferente, o estranho, essa hospitalidade ao frágil, ao refugiado da guerra, ao idoso, à pessoa com deficiência, sem casa, sem trabalho e sem pão, esse cuidado pelo humano vulnerável ainda em gestação, ou em fim de vida, o acolhimento sincero de pessoas em sua orientação afetiva. Não como estratégia política ou de marketing, mas como vivência e testemunho de um Deus que se faz carne e em sua carne (corpo) assume e se liga a cada vida em concreto, a cada porção de mundo e de história que é cada ser humano.
O Papa Francisco tem aproximado pessoas que andavam distantes da igreja, com a sua personalidade muito particular e um discurso diferente do habitual. É por aí o caminho? A Igreja deve ser uma voz mais alta contra o mal no mundo, contra a indiferença?
É verdade, o Papa Francisco introduziu na Igreja uma profunda dinâmica de renovação. Ganhou credibilidade e aceitação em espaços tradicionalmente indiferentes ao religioso, não sem profundas resistências e violentas oposições internas. Quanto devemos ao Papa Francisco a denúncia, tão incómoda para alguns, de uma economia de puro liberalismo capitalista que mata. Ou o despertar, ainda lento, da Igreja e das comunidades cristãs para uma conversão ecológica. Ou esse escutar o sentir dos crentes a partir das bases para que aconteçam processos consistentes de renovação da vida eclesial. Ou esse lembrar que todos somos irmãos e temos o dever cívico de criar uma amizade social que vença o individualismo reinante e a solidão galopante nas grandes metrópoles. Ou ainda a forte denúncia da recente corrida aos armamentos, da brutalidade da guerra que está a acontecerem território europeu e o pouco compromisso pela paz num mundo cada vez mais violento. Como João Batista, parece ser uma voz que clama, solitariamente, no deserto. A lógica da guerra, da corrida armamentista, de uma economia impessoal, de uma produção industrial poluente grita mais alto. A profecia cristã é o cuidado e a defesa das vítimas, dos excluídos. Hoje há, mesmo em instituições cristãs, uma excessiva valorização do mérito. Na fidelidade à tradição cristã, a valorização do mérito é secundária em relação à graça, ao gratuito. E o mais belo da vida é o dom de si mesmo, a partilha, uma economia solidária.
A nível pessoal, quão ingrato e gratificante é o seu trabalho?
A vida, vamos descobrindo e aceitando, é um misto de escolhas e de imposições, de gozos e de fardos, de coisas que fazemos com prazer e outras como obrigação custosa. Concretizando, dou graças a Deus por fazer o que gosto, lecionar, partilhar conhecimento, ajudar alunos a crescer numa autonomia de pensamento, numa reflexão pessoal, presidir a uma comunidade irrequieta. Convivo muito mal com a dimensão burocrática crescente da vida académica, com a concorrência na corrida às métricas da produção científica. É a lógica do mercado a invadir a vida universitária que, em minha utopia, não deveria renunciar à gratuidade da partilha do pensamento. Como padre e pastor, é profundamente gratificante acompanhar pessoas em seu processo de cura e reconciliação interior, na aceitação de si próprias, da sua condição pessoal e única, do valor das suas histórias de vida que são histórias de salvação, por mais duras que tenham sido. A parte mais ingrata, nos tempos presentes, é sermos cada vez mais «um pequeno rebanho» extenuado, onde as exigências não param de aumentar, com crescentes situações de burn out, depressões, esgotamentos, e até suicídios. E isso é sintoma de histórias de vidas sufocadas, de estilos organizativos homicidas, de tantas solidões entregues a si próprias.
Ao padre pede-se-lhe que seja santo, certamente, mas a santidade não é heroísmo, não é vida sem risco, sem falhas; é a sua frágil humanidade redimida, amada e pacificada.
O grande desafio hoje é «humanização» da humanidade de padre, este viver exposto, desprotegido, indefeso. E, como tal, ser aceite pelas comunidades, mais do que exibindo uma sacralidade clerical distante e separada.
Uma pergunta indiscreta, na Capela do Rato, foi substituir um padre poeta, hoje o Cardeal Tolentino, e vejo nos seus escritos muitas referências a poetas… também escreve poesia?
Bem o P. Tolentino foi meu colega no Seminário dos Olivais e na Faculdade de Teologia. A partilha literária acontece entre nós desde os tempos de estudantes. Orgulho-me de pertencer a uma geração de padres que receberam e cultivam o gosto pela literatura, e com toda a sinceridade se empenham no diálogo com a cultura contemporânea. Eugénio de Andrade e Sophia foram leituras incontornáveis, depois veio Ramos Rosa, Manuel Alegre, Herberto Hélder…, Rilke, Kafavis, Lorca, Neruda… Compensei o enfado de tantas aulas inúteis com a leitura, na última fila, de romances de Yourcenar, Duras, Michel Tournier. A literatura ajudou-me na arte de bem escrever, a adquirir um estilo literário, além de ser um lugar antropológico que tanto me interessa enquanto teólogo. Envergonhadamente escrevo «umas coisas», que têm mais a ver com o género diário do que com poesia. Não me atrevo a dizer que escrevo poesia, mas sinto-me por ela inspirado.
Como sei que é uma pessoa acarinhada por muitos dos nossos leitores, convidava-o a deixar uma mensagem a eles.
Com todo o gosto, em jeito de partilha de esperança. Convoco aqui duas passagens do evangelho: «os fios de cabelo da vossa cabeça estão todos contados» (Lc 12,7), «todo o copo de água dado terá a sua recompensa» (Mc 9,41). Nenhum gesto humano de bondade, de dádiva, de vida cuidada e multiplicada é em vão.
Por vezes questionamos o sentido das nossas vidas que, no imediato, não nos parece claro. As estradas surgem sinuosas, quais becos sem saída. É a esperança que nos faz ressuscitar em cada manhã e nos entregarmos, confiantes, ao escuro do desconhecido da noite. Vale a pena viver até à última gota, com gozo e profunda fadiga. Mesmo última, ainda contém toda a grandeza da vida. E mesmo quando tudo parece precipitar-se no vazio e no nada, consola-me e encoraja-me acreditar que um Deus nasce e morre comigo, para que eu morra e ressuscite com Ele, em cada instante e na última expiração. Porque nada da minha humanidade lhe é estranho.
Biografia : Natural de São Bartolomeu de Messines, o padre António Martins foi ordenado em 1989 por D. Manuel Madureira Dias, tendo sido nomeado naquele ano pároco “in solidum” das paróquias de Loulé. Foi pároco de Boliqueime e, em 1992, nomeado pároco do então vicariato do Montenegro (hoje paróquia).O sacerdote foi ainda assistente da antiga AJUC – Associação de Jovens Universitários Cristãos, percursora da atual Capelania da Universidade do Algarve, entre 1992 e 1997. Entre 2003 e 2009, voltaria a exercer o seu ministério nas paróquias de Loulé acumulando com a lecionação em Lisboa. Atualmente é o Capelão da conhecida Capela do Rato, em Lisboa.
É também docente da Faculdade de Teologia da Universidade Católica Portuguesa e foi membro da direção daquela instituição na qualidade de secretário, de 2009 a 2014. É membro do Conselho Pedagógico da Faculdade de Teologia. Foi assistente religioso do Serviço de Pastoral para as Pessoas com Deficiência, da Conferência Episcopal Portuguesa. Colaborou com a Capelania do Hospital de Santa Maria e a Pastoral da Saúde a nível da Formação. É investigador no Centro de Investigação em Teologia e Estudos de Religião e integra a direção do mesmo.
Licenciado em Teologia pela Faculdade de Teologia da Universidade Católica em 1987, obteve, em 2003, o doutoramento em Teologia Dogmática, na área da antropologia teológica, pela Faculdade de Teologia da Pontifícia Universidade Gregoriana, em Roma.