A cultura da amêndoa no Algarve: notas históricas

Numa altura em que após um longo período de decadência da cultura de sequeiro da amêndoa, começou a ressurgir no Algarve o cultivo desse fruto, agora pelo sistema intensivo, de regadio, com duas grandes explorações (S. Bartolomeu de Messines, 28ha. e Cacela, 38 ha.), pareceu-nos oportuno apresentar um resumo histórico da cultura da amendoeira na região algarvia.

Sendo já do conhecimento dos romanos o uso gastronómico e medicinal das amêndoas, a introdução e desenvolvimento dos pomares de amendoeiras no ocidente (Al-Garb) do Al-Andalus ocorreu durante a presença islâmica neste território, como comprovam algumas referências documentais e atesta a conhecida Lenda das Amendoeiras em Flor. Desse ambiente, nos dá uma sugestiva imagem um poema andaluz do século XI: “A amendoeira em flor está vestida de branco, com mantos tecidos pelos meses frios”. E numa compilação de fontes árabes desse período, pode ler-se:

“Silves distingue-se pela abundância de uvas, figos lampos, açofeifas [casta de maçãs doces] e as muitas amêndoas. E são vendidas as passas de uva em Silves, ao longo de todo o ano, a dois dirham[s] o quintal, bem como os figos; as amêndoas, a dirham cada dez sâ’/s[medida de capacidade árabe] “. (António Rei, O Gharb Al-Andalus Al-Aqsâ na Geografia Árabe, 2012, p. 174).

Curiosamente, na documentação cristã medieval, as mais antigas referências conhecidas à amêndoa surgem na região do Alto Douro, relativas ao topónimo Almendra, mencionado em documentos de 960 e 1059, sob as formas latinas Amyndula e Amendula (PortugaliaeMonumentaHistorica, Diplomata etChartae, p. 51 e p. 262). Também como topónimo, referencia-se Amêndoa (conc. de Mação) desde 1194 (Documentos de D. Sancho I, vol I, p. 112-113,

Outro vestígio toponímico a considerar é Queluz, com origem etimológica no árabe Qa-al-lluz, “vale da amendoeira” (cf. David Lopes Nomes Árabes de Terras Portuguesas, 1922, p. 173) e que se atesta em 1220-1221, numa inquirição de D. Afonso II.

Com o início da comercialização da amêndoa, vamos encontrar mais notícias, constando já da Lei da Almotaçaria de D. Afonso III (26.Dez.1253) que fixou o preço da arroba do fruto da amendoeira em trinta soldos por arroba.

Em 1295, sabe-se que estava um navio inglês no porto de Lagos com uma carga que incluía cestos de amêndoas (sportulaamigdalarum) e que foi danificado por mercadores de Baiona (doc. publ. Silva Marques, Descobrimentos Portugueses, vol.III, p. 20).

Todavia, as referências às amêndoas e amendoeiras do Algarve continuaram a ser muito raras nos séculos XIV e XV, o que não significa a ausência do cultivo e comércio, antes será indicador da pouca importância económica. Assinale-se que o “Livro do Almoxarifado de Silves”, de meados do séc. XV, com numerosas informações sobre figueirais e vinhas, nada diz acerca dos amendoais que certamente pontuavam a paisagem do termo silvense.

Em todos os forais manuelinos do Algarve, dados em 1504, as “amêndoas por britar” surgem a seguir às “farrobas”, entre outros frutos verdes e secos.

Na primeira metade do século XVI, é já uma constante a presença das amêndoas, com casca ou em miolos, no comércio interno e entre os produtos de exportação. Joaquim Romero de Magalhães (Para o Estudo do Algarve Económico durante o Século XVI, 1970, p. 137, 140, 143) citou diversos documentos que comprovam o envio do Algarve para Lisboa (Corte, rainha dona Leonor, Hospital de Todos-os-Santos) e para os fornos de Vale do Zebro de assinaláveis quantidades de amêndoas, a par de figos e passas de uvas.

Prunus Dulcis-circa 1903

Só em 1577, na “Corografia do Reino do Algarve”, de Frei João de São José, vamos encontrar a primeira informação detalhada sobre o cultivo da amendoeira, as variedades de amêndoas e o seu crescente valor comercial:

“A amêndoa, no Algarve, é boa fazenda, porque não requer algum adubio, não apodrece com a chuva nem se toma do bicho, nem tem seu dono mais gasto com ela do que varejá-la, quando ela mesmo por si se abre e despede a casca, na amendoeira.

Querem-se estas árvores enxertadas e fazem-se muito grandes e fermosas com o benefício da enxertia.

São a amêndoas de muitas castas, porque há umas, a que eles chamam marquesanas, que são grandes e quase redondas, outras longais e outras molares. E destas, na verdade, o são algumas tanto, que as comem os pássaros e mesmo as formigas nas mesmas amendoeiras pelas junturas das ilhargas, de maneira que, se seu dono as não apanha, com tempo, algumas vezes, quando acode, não acha senão as cascas sem miolo.

Enterreiram-se as amendoeiras e varejam-se, como fazemos em Portugal às oliveiras, e depois tiram-lhe a casca que elas mesmo, depois de maduras começam a dar. E põem-nas ao sol, a secar dois ou três dias. Vale o alqueire da amêndoa com casca, no Algarve, comummente, dois reais de prata, quatro vinténs, pouco mais ou menos, conforme os anos e as molares sempre valem mais, dez, vinte réis por alqueire. Não importa pouco esta fruta no Algarve, porque, no ano de 1574 que houve esterilidade dela, se dizimaram somente em Tavira cem moios dela, confessado pelos que tinham este ofício” (Frei João de São José, Corografia do Reino do Algarve, 1577, Livro IV, Cap. V. ed. 1983, p. 120).

(continua)

 

 

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