A sensação de se estar a viver “um momento histórico” e a assistir ao início de um processo fundamental para a Lagoa dos Salgados e Sapal de Alcantarilha foi uma das ideias expressas no decorrer da Sessão de Esclarecimento sobre a criação da futura Reserva Natural da Lagoa dos Salgados (RNLS) que aconteceu no passado dia 18 de janeiro.
Realizada no Centro Pastoral de Pêra, pela Associação Almargem, ICNF e Município de Silves esta sessão pretendeu não só esclarecer mas também incentivar à participação no período de Discussão Pública que então decorria.
Das intervenções iniciais de Domingos Leitão, da Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEA) e de Anabela Santos, da Associação Almargem, ressaltam os argumentos sobejamente conhecidos da importância ambiental da Lagoa dos Salgados, conhecido pela sua biodiversidade única e muito rica. E foi justamente com base nestes argumentos que o ICNF, como explicou o responsável regional, Castelão Rodrigues, decidiu avançar com a proposta de criação da referida reserva, considerando que a mesma “pela sua dimensão e características muito peculiares devia fazer parte da Rede Nacional das Áreas Classificadas”.
Em representação do Município de Silves, o vereador Maxime Sousa Bispo começou por considerar que “não basta estar a classificar no papel e ficar tudo na mesma, como dantes” pelo que defendeu a necessidade de se garantir recursos financeiros e humanos para uma gestão correta da futura Reserva Natural, que garanta um equilíbrio entre a biodiversidade e natureza e a economia. Neste contexto, defendeu um outro modelo de turismo que não o existente, baseado no “turismo de massas” e empregos precários. O vereador deixou ainda bem claro que o atual Executivo Camarário não se revê nos planos urbanísticos que existem para o local, que, recorde-se, ao abrigo do Plano de Pormenor da Praia Grande (PPPG), aprovado em 2008, projetavam para esta zona a construção de vários empreendimentos turísticos, com um total de 5000 camas.
Maxime Sousa Bispo confirmou que a Câmara Municipal de Silves “chegou a emitir um alvará de loteamento”, em agosto de 2017, que permitia “obras de infraestruturação” mas que esse mesmo alvará foi suspenso logo que a autarquia “foi informada pela CCDR Algarve que tinha sido emitida uma decisão de conformidade ambiental não favorável do projeto de execução da Unidade 1”.
O vereador lembrou ainda que existem processos judiciais a decorrer, interpostos nomeadamente por associações ambientais, sendo que as mesmas foram convidadas por Rosa Palma, a seguir à sua eleição, “para consultarem o PPPG e avaliarem por si mesmas o processo que foi conduzido por anteriores executivos e a promoverem o que achassem por bem”. Para Maxime Sousa Bispo, o Plano de Pormenor da Praia Grande, volvidos 14 anos da sua aprovação e após as alterações legais que têm sido introduzidas no plano urbanístico e de ordenamento do território, incluindo pelo novo PDM de Silves “que não permite nem contempla o modelo de ocupação urbanística que está previsto para a Praia Grande”, perdeu todo o sentido. Tanto mais que, na opinião do vereador, quando o mesmo foi elaborado, “toda a gente se esqueceu o que isso significava em termos de água e de saneamento, não avaliaram nem o que seria preciso só para servir para servir 1800 camas, as que estavam previstas na primeira Unidade de Execução”. Pelo que, concluiu, o Plano de Pormenor da Praia Grande “encontra-se em coma e está apenas à espera que desliguem as máquinas”.
Para o Município de Silves, a constituição desta Reserva Natural, cuja totalidade dos seus 400 hectares se encontra na sua área territorial é uma imensa mais valia, na promoção de valores ambientais que se interligam com outros projetos que a autarquia tem em curso e que foram mencionados pelo vereador Maxime Sousa Bispo, nomeadamente a construção da Ecovia/Ciclovia do Litoral Sul, que unirá a Praia Grande a Lagoa; a criação do Parque Verde de Armação de Pêra, junto à Ribeira de Alcantarilha, sendo que para esta também existem projetos de requalificação que estão a ser negociados com a Agência Portuguesa do Ambiente e a requalificação urbana de Armação de Pêra, entre outros.
Direitos adquiridos?
Uma das questões que tem sido levantada após o anúncio da criação da reserva natural tem a ver com a existência ou não de direitos adquiridos por parte dos promotores do empreendimento da Praia Grande.
Na cerimónia de apresentação da reserva, o ministro do Ambiente, foi peremptório a afirmar que não havia direitos adquiridos que permitissem a construção. Mas o atual proprietário dos terrenos, para onde está prevista a construção do empreendimento, o Milenium/BCP, já fez saber publicamente que discorda desta avaliação e que poderá requerer uma indemnização ao Estado Português, no montante de 100 milhões de euros.
Esta questão foi suscitada também nesta sessão de esclarecimento, por parte do público, que também chamou a atenção para a necessidade de envolvimento no processo de todos os proprietários dos terrenos, sendo certo que de parte de alguns também têm surgido discordâncias quanto à criação da RSLS. Falou-se ainda na necessidade de se avaliar em que termos e quais as atividades agrícolas, turísticas ou outras irão ser permitidas na futura Reserva Natural da Lagoa dos Salgados, uma zona já hoje bastante procurada por grupos que se dedicam principalmente à observação de aves.
Questões que o desenrolar deste processo irá responder, caso a constituição da Reserva Natural da Lagoa dos Salgados venha a ser aprovada. O que a acontecer, irá quebrar um “jejum” de 21 anos, altura em que aconteceu a última classificação de uma área natural.


