Numa altura em que decorrem as obras, há muito aguardadas, de reabilitação, conservação e restauro da emblemática ponte de Silves, pareceu-nos oportuno divulgar alguns documentos que confirmam a sua origem medieval, já demonstrada no modelar estudo de João Pedro Bernardes e Maria José Gonçalves, A ponte “velha” (Monumentos, nº 23, 2005, pp. 62-67).

O primeiro documento que apresentamos, em transcrição modernizada, é de um pedido ao rei D. Afonso V, feito pelos representantes de Silves nas Cortes de Lisboa, em Dezembro de 1439:
Primeiramente, senhor, por os nossos pecados somos postos em trabalhos e despesas de uma ponte de pedra que nos caiu de uma grande cheia que veio, pela qual nos servíamos e quantos há no Algarve. E porque nos faz grande mingua e nos é muito necessário contratarmos com certos mestres pedreiros para a fazerem e lhe havemos para isso de dar cem mil reais, os quais, senhor, nós não podemos baratar sem grandes nossos trabalhos, pela grande pobreza que entre nós há pelos tempos serem desvairados. E porque, senhor, é obra de piedade, e pela alma de vosso avô e vosso padre nos mandeis fazer ajuda para se fazer a dita ponte e fazer noseis em isso mercê, e rogaremos a Deus por eles. [Resposta do rei] A nós praz mandarmos vos desembargar para esta ponte trinta mil reais, contanto que de vosso cabo vos disponhais a ser logo corregida.(documento várias vezes publicado, adaptámos a transcrição de João José Alves Dias e Pedro Pinto, “Cortes Portuguesas. Reinado de D. Afonso V. Cortes de 1439”, 2016, p. 417)
Os juízes e homens-bons do concelho de Silves, conseguida a mercê de 30 mil reais para a obra, em que calculavam despender 100 mil, trataram de contratar um mestre pedreiro que, pelo menos desde 1435, estava a trabalhar em Évora e a quem D. Duarte tinha concedido uma carta de privilégio: a mestre Pero, mestre de pedraria, natural dos reinos de Castela (ANTT, Chancelaria de D. Duarte, Liv. 3, fl. 70 v.). Foi feito um contrato de 120 mil reais para a construção de três arcos da ponte, mas a verba esgotou-se num só arco e mestre Pero abandonou a obra, em circunstâncias e com as consequências detalhadas no documento que, a seguir, publicamos e que nos dá outras informações de que salientamos ser o arco acabado “em ponto”, isto é, ogival. Mas vejamos, o documento, na íntegra:
Dom Afonso, etc. A todos os juízes e justiças de nossos reinos e a outros quaisquer a que o conhecimento disto pertencer, por qualquer guisa que seja a que esta carta for mostrada, saúde. Sabe de que mestre Pero, mestre da obra de São Francisco da cidade de Évora nos enviou dizer como ele fora chamado dos juízes e homens bons da cidade de Silves para fazer três arcos para uma ponte que tinha começada e que fizera com eles avença por cento e vinte mil reais e que lhe prometeram a fazer bom pagamento, dos quais recebera parte, fazendo ele muitas despesas em bois e carros e ferramenta e com mesteirais, acabando um dos ditos arcos de todo ponto e que depois que o dinheiro mingara lhes requerera por muitas vezes que lhe dessem dinheiro e que lhe acabaria sua obra, tomando sobre eles instrumentos que nunca deles poderá haver dinheiro, e que vendo ele isto se acorrera ao nosso corregedor daquela comarca, o qual vista sua razão e as ditas escrituras públicas mandara que se fosse para sua casa e que indo ele assim para a dita sua casa, chegando a Beja o prenderam e levaram preso caminho da dita cidade de Silves e que indo ele assim preso temendo-se de jazer em prisão prolongada, gastando o que havia, diz que fugiu da dita prisão no dito caminho àqueles que o assim levavam preso, por a qual razão ele andava amorado com temor da nossa justiça e que nos enviava pedir por mercê que lhe houvéssemos sobre isso algum remédio e lhe perdoássemos a nossa justiça se nos a ela por razão da dita fugida que assim fugiu era teúdo.
E nós, vendo o que nos assim dizer e pedir enviou, e querendo-lhe fazer graça e mercê, e se ele não britou cadeia, nem saltou por cima de castelo de menagem, temos por bem e perdoamos-lhe a nossa justiça, a que nos ele por razão da dita fugida era teúdo, contanto que da dada desta carta até quinze dias seguintes haja carta de segurança para se livrar e se o ele assim não fizer esta carta lhe não valha, e fazendo como dito é, mandamos vos que o não prendais, nem mandeis prender, nem lhe façais, nem consentais fazer mal, nem outro desaguisado, unde al (=onde outra coisa) não façais .
Dada em Leiria, 27 dias de Agosto, El-Rei o mandou pelo doutor Rui Gomes de Alvarenga, etc., e pelo doutor João Fernandes da Silveira, etc. Brás Afonso a fez, ano do Senhor de 1443. (ANTT, Chancelaria de D.Afonso V, liv.27, fol.142.)