Vou-me embora, vou partir, mas tenho esperança. De correr o mundo inteiro. Quero ir!
Quero ser feliz com a minha nova paixão. Olha para os nossos sorrisos de amor. Julgavas que ficava amarrado a ti para o resto da vida? Aguenta-te. Toma!
Já começas com outro ataque de ciumeira? Não vale a pena. É tarde. Foi isso que estragou uma união de quatro décadas! Gelaste-me no leito conjugal. Tive de procurar outros leitos pasteurizados.
Não fui inconsciente. Nunca traria para casa bactérias ululantes. Sim. Nunca te faria gritar por razões infeciosas e dar-te a razão que não tinhas.
Não! Sou um homem íntegro. Elas, as maganas, é que são responsáveis por subdividir os homens íntegros.
Esta minha nova senhora, Hirmengarda, é uma mulher adorável. Nada tem a ver com aquelas doidivanas.
Gosta de se divertir, vestir-se a preceito para os bailes da paróquia. Foi num deles que nos conhecemos. Somos ambos bailadores compulsivos.
Estava sentada, bem composta, à espera que alguém a convidasse. Não resisti. Tinha bem lustrado, com pomada Búfalo, as gáspeas dos sapatos. Ajeitei o fato do nosso casamento que nunca mais tinha vestido. Ensaiei galanteios. Pousei derretido os olhos sobre ela.
Pela última vez, antes de a envolver pela cintura e bamboleamos apertadinhos ao som da música do nosso cantor favorito, Tony Carreira, «Já que te vais».
Espero que me perdoes. Cuida da nossa filha. Não teve culpa dos nossos desaguisados.
Dos teus guisados, já sinto falta. Era o que nos unia, quando os digeria. O resto foi para o Arade com as minhas mágoas. As bogas mereciam bom alimento. Não estão, mas mereciam, estar em boga nos restaurantes com estrelas Miquelinas.
Esperemos que o chefe Oliveira nunca confecione “Bogas de Escabeche à moda da Companheira”! Arriscava-se a perder de vista a sua estrela.
Foste, apesar de tudo, uma esposa extremosa. Mas muito impaciente. Moías-me o toutiço. Cansei-me.
Nunca te perdoarei por me teres trocado por uma cadeira ergonómica do teu escritório, dias infinitos e todos os fins-de-semana. Coitada da cadeira. Coitado de mim. Agora já não o sou. Coitado.
Chegou. Estou livre e cheio de iniciativa liberal.
Já me vêm as saudades remelosas ao canto do olho. Mas não merecia tamanha afronta.
Podias ter resolvido as coisas a bem. Agora vou contratar um colega teu, do sexo masculino, glúteos bem musculados, para defender os meus interesses.
Ai! Também julgavas que me tinha convertido aos glúteos free, como tu? Ou que já me tornara vegan? Nunca. Apesar de tentares, nunca me conseguiste tirar a força na vegan.
Só que nunca mais irei comparticipar nos teus caprichos. Cirurgias estéticas, malas da Louis Vuitton, ‘nécessaires’ da Hermès.
Acabou tudo! Estou farto do miocárdio! Prezo muito a minha saúde. E a minha carteira comprada no chinês.
Vou tentar não falhar no pagamento da pensão de alimentos da nossa filha, coitadinha. Basta que me continue a falar por monossílabos resmungados, como sempre, e as transferências serão feitas.
Estamos agora em viagem pré-nupcial, eu e a minha Hirmengarda, para o lugar paradisíaco que há muito ambicionávamos visitar, a Coca Maravilhas.
E já está a ser uma maravilha! Por que não tomei esta decisão há mais tempo. Estúpido que fui. Estupor que deixei de ser.
Viva eu!
Viva a minha Hirmengarda!
Viva Portugal!
Hasta siempre, comandantita!
(Coca Maravilhas, 28 Fevereiro de 2025)