Assistimos a uma mudança drástica no mundo das relações internacionais, em que a teoria liberal nas Relações Internacionais, que tem por uma de suas principais características a cooperação internacional, se vê confrontada pela teoria realista, segundo a qual a relação entre os Estados depende da luta pelo poder, pela hegemonia.
O modo como o presidente norte-americano Donald Trump resolveu alienar os seus aliados, Canadá e Europa, que foram alvo de palavras duras e de tarifas comerciais devido a acordos comerciais atrozes (segundo o presidente Trump) para dias depois acusar a Ucrânia de ter iniciado uma guerra e chamar o presidente ucraniano de um “ditador sem eleições” deixou todos boquiabertos. Se não soubesse quem teria proferido estas afirmações diria que teriam vindo de Moscovo onde Putin está no poder desde 1999, tendo alternado com Medvedev, o peão de Putin, e os seus opositores têm uma tendência inacreditável de cair de janelas de prédios ou de sofrer outro tipo de “acidentes”, tudo muito democrático, claro está. Como se tal não bastasse, Trump retirou a Rússia do isolacionismo internacional em que se encontrava e deu a oportunidade à Federação Russa de ser vista como igual perante os EUA, dois gigantes a discutir ou a negociar os problemas dos fracos da Europa e sem a presença dos europeus.
Esta política inusitada é um claro volte-face a anos de política externa norte-americana que procurou apoiar a democratização da Rússia em vez de apoiar as suas tendências autocráticas. Esta convergência ideológica entre Washington e Moscovo revela um traço característico do actual presidente dos EUA: o seu fascínio por autocratas (um indivíduo que concentra um poder absoluto e ilimitado do seu governo nele próprio e em que a sua vontade é lei). Interrogo-me por isso se estaremos em risco de passar de um mundo democrático para um mundo ditatorial?
Observemos três exemplos de decisões que Trump tomou nos EUA desde que foi empossado há pouco mais de um mês: 1) o seu primeiro acto presidencial foi conceder um perdão total aos perigosos criminosos que foram condenados por invadir o Capitólio a 06 de janeiro de 2021; 2) deu ordem para despedir milhares de trabalhadores e agentes federais do FBI, especialmente todos os que estavam a investigar os acontecimentos da invasão do Capitólio e; 3) concedeu carta branca a Elon Musk para cortar a direito com os funcionários públicos e o financiamento de agências governamentais e federais através do recém criado Departamento de Eficiência Governamental (DOGE). De notar que as empresas de Musk possuem contratos de bilhões de dólares com algumas dessas agências e estão sujeitas às regras impostas por estas. Ora se Musk controla o financiamento então pode influenciar as decisões dessas agências com a simples ameaça de fechar a torneira dos dólares. Depreende-se assim que neste momento, qualquer pessoa que não esteja alinhada com a agenda de Trump quer no poder judicial, no poder legislativo ou na organização e funcionamento dos EUA é um alvo a abater.
O modo como o novo inquilino da Casa Branca decidiu renomear o Canal do México para Canal da América, manifestou a sua visão sobre o Canadá e a sua vontade de retomar o controlo do Canal do Panamá e de obter mais território (Gronelândia e até Gaza), mas sobretudo o modo como colocou o presidente ucraniano “entre a espada e a parede” para que este assine um “acordo” imposto que confere acesso a recursos naturais raros da Ucrânia aos EUA é reveladora da sua forma de olhar para o mundo e constituem sinais de alarme. O mundo já tem demasiados regimes autocráticos.