Crise da Habitação em Portugal

O direito à habitação, direito fundamental consagrado na Constituição da República Portuguesa, é um dos problemas maiores da sociedade portuguesa. A perceção de que há escassez de casas no país não é inteiramente correta.

A origem do problema está nos baixos salários. O que falta é capacidade financeira das famílias, assalariados e jovens, para enfrentar os preços exorbitantes praticados no mercado imobiliário.

Apesar do foco do problema não se situar na oferta, é imprescindível que o Estado, única entidade com capacidade para o fazer (em colaboração com municípios, cooperativas, privados), promova um vasto programa de habitação de promoção pública, com preços acessíveis para a população mais carenciada, mas também para aquela com rendimentos médios. Aqui perto, em Albufeira, um quarto partilhado por duas pessoas, custa 500,00 euros a cada uma! A situação, aliás, é crítica nas regiões de Lisboa, Porto e Algarve. Nos últimos dez anos, os preços de compra mais do que duplicaram, e essa tendência continua.

Embora Portugal seja o segundo país da Europa com o maior número de casas disponíveis (735 mil imóveis vazios, segundo o Instituto da Habitação e Reabilitação Urbana), o governo tem adotado políticas que favorecem a liberalização e a desregulação do mercado, deixando o mercado “à solta”, o que agrava ainda mais a crise.

O Estado não intervém no mercado de arrendamento, não controla as rendas, no alojamento local recusa a aplicação de travões ao seu crescimento, permite que os fundos de investimento ou os não residentes habituais, com maior capacidade de aquisição, absorvam maior quota do mercado habitacional, oferecendo benefícios fiscais em vez de aplicar restrições.

Na nossa vizinha Espanha o governo adota uma abordagem regulatória, com incentivos à construção de habitação acessível, projetando o aumento da oferta de habitação pública. Em Espanha, a compra de casas por parte de estrangeiros não comunitários foi agravada fiscalmente até 100%. Em Portugal faz-se o contrário. O governo de Montenegro revogou várias medidas de desincentivo à expansão do alojamento local e à regulação das rendas, considerando, erradamente, que o problema está na oferta, e não na procura.

A atual crise da habitação resulta, efetivamente, do surgimento de novas procuras, tanto interna quanto externa, que encaram as casas como meros ativos de investimento, retirando da oferta com fins residenciais um conjunto significativo de alojamentos.

 Como consequência, o alojamento local saltou de 6 mil unidades em 2011 para cerca de 107 mil em 2022, a nível nacional. O peso do investimento em imobiliário no stock de investimento direto estrangeiro aumentou de 8,6% em 2008 para 17,2% em 2023.

Para piorar a situação, o governo aprovou uma nova “Lei dos Solos”, que representa um brutal retrocesso, ao subverter princípios basilares do ordenamento e planeamento do território, com o propósito de reclassificar solo rústico para prédio urbano e proporcionar o aumento (ilusório) da oferta de habitação, fixando um teto máximo do valor das casas.

Estudo do Jornal “O Público” indica que, com essa lei, os preços de venda da habitação superariam os preços de mercado em 295 dos 308 municípios portugueses. Como afirmou o próprio Presidente da República, estamos diante de “um entorse significativo em matéria de regime genérico de ordenamento e planeamento do território, a nível nacional e local”, que não o impediu, porém, de promulgar o diploma!

Alterações recentes à Lei em sede de Assembleia da República, que são prova das suas fragilidades e ineficácia, determinam que a conversão dos solos só poderá ser feita para que seja construída habitação pública, casas destinadas ao arrendamento acessível ou a custos controlados, num mínimo de 70% da área e prazo de 7 anos. Nada de substancial foi alterado na Lei. Impunha-se a cessação da sua vigência. O PS e o Chega opuseram-se. O chorrilho de medidas tomadas em contramão pelo governo, contrárias à natureza da crise da habitação, não baixará o preço das casas. Ao invés, alimentará o negócio dos maiores promotores imobiliários e grandes construtores, constituindo uma via verde para a promiscuidade e a corrupção.

Veja Também

A nova e dispensável lei dos solos

A possibilidade de construir em terrenos rústicos, não só abrirá caminho à ocupação opressiva da …

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *