Na edição do «Terra Ruiva», n.º 174, de Fevereiro de 2016, recordámos o pedido que o presidente da Câmara de Silves, o juiz de fora Dr. António Pedro Baptista Machado, fizera às Cortes em 1822, na sequência do ambiente de regeneração que se vivia no país, advindo da Revolução Liberal de 1820.
Assim, o Dr. António Machado deu conta aos deputados da decadência que se vivia na cidade, despovoada e doentia, com um comércio moribundo, e de agricultores arruinados pela perda frequente das suas culturas, tudo originado e provocado pelo assoreamento do rio Arade. Este era, por assim dizer, o causador do infortúnio dos silvenses e da sua cidade. Assoreado, não permitia o acesso a Silves de barcos de maior calado, mas tão-somente pequenas embarcações, fomentava o alagamento das terras limítrofes e, pelos muitos pântanos que o circundavam, facilitava o desenvolvimento de doenças (malária), tornando o local insalubre e por consequência inóspito, pelo que Baptista Machado propunha o seu desassoreamento, avançando mesmo com sugestões de fontes de financiamento para esse efeito.
O assunto, após uma breve análise nas Cortes, foi remetido para as comissões de Estatística e de Saúde Pública. Considerando esta última uma obra «não só necessária, mas indispensável, e que talvez não haja outra em Portugal que reclame auxílios mais prontos». Afinal, uma cidade antigamente tão populosa, que contou 25 000 habitantes, que tem «fertilíssimas campinas, e um porto próximo ao Oceano, estar reduzida quase a um vasto cemitério, é ideia que aflige profundamente não só os amigos da pátria, mas todos os homens que não forem insensíveis ás desgraças de seus semelhantes».
Na sequência deste parecer, determinaram as Cortes, a 18 de Julho de 1822, que o governo: «por sujeito inteligência, mandasse examinar circunstanciadamente o estado do rio, as obras nele necessárias para remediar os males ponderados pelos suplicantes, e o orçamento da sua despesa, remetendo às Cortes o resultado da diligência».
O governo terá sido ágil, de forma que a 26 de Julho eram os peritos, tenente engenheiro Francisco Isidoro Lino e o hidráulico Mr. Deflorence, incumbidos da missão. A qual foi também desempenhada com celeridade, dado que o relatório técnico do primeiro se encontra datado de 1 de Setembro, tendo sido redigido em Silves, e o do segundo dez dias depois, já em Lisboa.
O parecer de Francisco Isidoro Lino
A fim de cumprir a sua missão, Francisco Lino informava: «é o sobredito rio situado na direcção Este Oeste, tendo de extensão duas léguas desde a Cidade até Vila Nova de Portimão porém só é inavegável, para barcos maiores até uma légua de distância da sobredita cidade, tanto pelos nateiros, que aí se tem amontoado, como pela imensidade de pedras que ali existem em consequência dos alagamentos de Linho que são frequentes em todos os Lugares. Para Leste da Cidade continua ainda o sobredito rio, até à distância de meia Légua, onde vai confinar, com imensidade de nascentes; é então neste Lugar que há os Pântanos, tanto porque os nateiros têm enchido o leito do Rio, como por se lhe ajuntarem as cheias que provêm dos Montes no inverno, que não tendo por onde desagúem, se espalham, pelo Campo, e formam então os sobreditos alagadiços; não devendo omitir que concorre também para isto haverem dois moinhos um nas imediações da cidade, e outro a meia légua de distância o qual está inteiramente arruinado, e só serve, assim como o primeiro de desviar a água do seu Leito, e por consequência retardar a sua carreira, que até se conserva quase estagnada nestes lugares».
Em suma, o assoreamento do Arade impedia o acesso de barcos a Silves, num percurso de cerca de 5 Km, e resultava da obstrução causada pelas pedras, colocadas, ao longo de décadas, para o alagamento do linho, bem como da baixa velocidade da corrente, quebrada pelos açudes dos moinhos e pelos sapais, que fomentavam a deposição dos sedimentos, transportados pelas águas das chuvas. Refira-se que no relatório trocou a localização da zona de sapal e das nascentes, situada a oeste da cidade, e não a leste, como referiu. A fonte do Gramacho, aí localizada, era na época relevante, pois abastecia Portimão de água potável, transportada em barcaças.
Quanto a propostas de intervenção, Lino subdividiu-as em navegabilidade e extinção dos pântanos. Relativamente à primeira alvitrava, desde logo, a limpeza «dos nateiros e pedras que ali existem como já disse e aprofundá-lo mais naqueles lugares do seu leito, onde forma certos baixos, que o tornam perigoso; tapar-lhes certos braços do dito rio que desviam também a água sem que isso seja útil a coisa alguma. Pode-se usar para Limpar, e aprofundar o rio de uma máquina própria, cuja descrição refere Mr. Belidor. Outro Método me ocorre o qual também exponho, porem que não acho ter tanto lugar, pelos inconvenientes que dele resultam, e vem a ser: o dar uma nova direcção ao leito do rio, seguindo uma linha recta na distancia de meia légua (o mais que é possível por causa dos montes) evitando por este modo uma imensidade de voltas, que ele dá, as quais tanto concorrem, para se encher mais facilmente dos nateiros, que trazem consigo as cheias, porem este método é muito mais dispendioso, e destruía alguns moinhos pertencentes a diversos proprietários, por isso falo nele somente de passagem».
Isidoro Lino propunha assim, a remoção dos sedimentos depositados naturalmente, bem como das pedras colocadas para o alagamento do linho, sem deixar de lembrar a possibilidade de abertura de um novo canal artificial, rectilíneo, com cerca de 2 500 m, com vista à eliminação dos meandros, de forma a aumentar a velocidade da corrente do rio. Ainda que pelo custo que esta canalização acarretava e pelos danos causados aos proprietários, não a considerasse. Quanto aos pântanos, sugeria «abrir hum canal da extensão de meia Légua com hum declive competente afim de que a água possa ter hum curso livre, e ao mesmo tempo que este canal tenha umas dimensões, que o tornem capaz de conter também a água que provem dos montes as quais se devem encaminhar ao dito canal, por duas valas que para este fim se devem aprofundar, e alargar mais (pois que existem muito arruinadas) tirando-se ao mesmo tempo as comportas dos dois moinhos já mencionados que produzem todo o dano possível como acima referi». Por outras palavras, seriam construídas canais/valas nas margens, entre a terra e a zona lagunar, que recolheriam as águas, após o que seriam drenadas diretamente para o rio, eliminando assim o fornecimento de água aos sapais e garantindo um maior caudal/escoamento dinâmico ao rio.
Anexou por fim um orçamento para a «reparação e melhoramento do Rio de Silves afim de o tornar navegável», o qual compreendia o aprofundamento do leito e a sua limpeza em diferentes locais, no valor de 4 224$000 reis.
(Continua)
Nota: Nas transcrições fez-se a desabreviação e atualizou-se a ortografia.
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