Apresentação do livro “1924- As Vozes da Resistência”

No Salão Nobre da Câmara Municipal de Silves, foi feita a apresentação do livro “1924 Silves – As Vozes da Resistência”, de António Guerreiro, no âmbito do encerramento das comemorações dos 50 anos do 25 de Abril.

O livro, editado pela cordel d’ prata, com o apoio da Câmara Municipal de Silves, concentra-se nos acontecimentos ocorridos em 1924, quando os operários corticeiros de Silves se juntaram a uma prolongada greve nacional, por melhores salários. A greve agravou a miséria e para que as crianças não passassem fome, muitos filhos destes operários foram recolhidos em casas de outros trabalhadores, em Portimão, Faro e Olhão. Terminada a greve, os familiares e muitos outros populares deslocaram-se à estação da CP para receber de volta as crianças. Mas, no regresso à cidade, a manifestação pacífica de homens, mulheres e crianças é barrada por forças da GNR que batem e disparam contra a multidão. Um operário é morto e muitas outras pessoas ficam feridas. Este episódio irá marcar profundamente, nos anos seguintes, as relações sociais na cidade. Cidade essa que também nos é revelada por este livro, nas suas características da época.

De referir que o livro já se encontra à venda online, no site da editora cordel d’prata.

A apresentação foi feita pela historiadora Raquel Varela que elogiou o trabalho de António Guerreiro, quer pelo tema exposto, quer pela quantidade e qualidade das fontes utilizadas. Na sua opinião, esta obra dá mais um contributo para a importante história do movimento anarco-sindicalista em Portugal. No livro de António Guerreiro, disse ainda,  “os números ganham vida”, quando o autor fala da cidade e das pessoas que intervêm nestes acontecimentos.

Raquel Varela apresentou o livro na presença de António Guerreiro e Rosa Palma

Raquel Varela destacou ainda a força da solidariedade existente entre os operários desse tempo, com iniciativas de angariação de fundos, com a criação de cantinas ou ainda com o acolhimento de crianças, o que permitia aos trabalhadores fazerem greve.

O fim do movimento anarco-sindicalista, fruto da repressão fascista, representou “a derrota de um dos mais extraordinários movimentos da Europa”, afirmou.

Também a presidente da Câmara Municipal de Silves, Rosa Palma, destacou a luta destes operários por melhores condições de vida, uma luta que várias gerações têm travado, e fez votos para que este passado de luta “não seja em vão”.

Por sua vez, o autor, António Guerreiro, silvense, professor universitário e colaborador do Terra Ruiva há vários anos,  falou sobre o momento em que tomou conhecimento destes acontecimentos e das razões que o levaram a escrever sobre os mesmos.

António Guerreiro na sua intervenção

 

A intervenção completa pode ser lida aqui:

1924 Silves, As Vozes da Resistência

INÍCIO

Em agosto de 1981, tinha eu 18 anos, depois da Festa da Paz e da Cultura, realizada em Silves, numa iniciativa da Câmara Municipal de Silves e do Conselho Português para a Paz e Cooperação, os jovens, estudantes do ensino secundário, que colaboraram na organização e divulgação da mesma por todo o Algarve, ficaram no Torreão, Portas da Cidade, a inventariar os livros, os jornais e outros documentos existentes, naquilo que era considerado o espólio da Biblioteca do Município Silvense.

Foi nesse momento que eu tive o primeiro contacto, no jornal Voz do Sul, com a história da morte do operário corticeiro, em 22 de junho de 1924. Nessa época era um jovem idealista e militante comunista, o que contribuiu para olhar para esta história com uma perspetiva épica e quiçá romântica, própria da idade e do envolvimento político.

Foram 43 anos com vontade de escrever sobre o acontecido. Hoje, fica cumprindo um sonho com quatro décadas.

EFEITO BORBOLETA

O Caos e o Efeito Borboleta são duas teorias matemáticas interligadas que justificam e explicam acontecimentos aparentemente não relacionados. Um matemático disse que o voo de uma borboleta numa parte do mundo podia afetar o tempo a milhares de quilómetros de distância.

Neste caso, foi a proibição, em 8 de março de 1924, das manifestações com bandeiras pretas e vermelhas no Algarve, «sobretudo quando elas se façam com vivas subversivas», que veio desencadear um conjunto de proibições e reações que culminaram na morte de um operário corticeiro e no ferimento de homens, mulheres e crianças pela Guarda Nacional Republicana.

Este problema com o vermelho já tem algum tempo, foi uma das razões por que optamos pela capa vermelha do livro com o punho erguido, logotipo dos Trabalhadores Industriais do Mundo, em 1917. De todo o modo, o vermelho é também a cor da bandeira da cidade de Silves. Este livro tem na sua essência a cidade de Silves, há um século atrás, numa época industrial da cidade operária.

Como dizia, o problema do vermelho, já foi referenciado por Victor Hugo, que escreveu n’ Os Miseráveis, publicado em 1862:

«– Lá vêm os vermelhos!

– O vermelho, os vermelhos!

– Eu tremo diante de uma papoila, e o pequeno chapéu vermelho não me causa nenhum cuidado. Burguês, acredita-me, deixemos o medo do vermelho para as bestas de cornos.»

Deixemos a rejeição do vermelho para os touros, como sugere o Víctor Hugo.

Esta proibição das bandeiras pretas e vermelhas na cidade fez derramar o sangue transformando de novo a terra em vermelha e negra.

HISTÓRIA

O meu objetivo nunca foi contar a história individual destas pessoas, mas sim a história de uma cidade e dos seus cidadãos, como um coletivo. Por isso, encontram no livro, vários apontamentos sobre a cidade, em 1924 ou na década dos anos vinte do século passado, sobre as atividades económicas, sociais e culturais, sobre a vida das pessoas, anúncios de estabelecimentos comerciais, relatos, memórias. Sugiro a leitura do livro como um todo, que extravasa os acontecimentos das greves e do fuzilamento do operário, nas palavras dos corticeiros.

PERSONAGENS

Todos os homens e as mulheres são bons e maus, todos temos os nossos dilemas. Ler este livro com um olhar de telenovela ou de um filme de ação, em que existem os bons e os maus, talvez não seja a melhor forma e a mais adequada para se perceber os dilemas destes operários que tentam, a todo o custo, continuar uma prolongada greve, apesar da miséria e da fome, sua, das mulheres e das crianças.

Silves, porque sempre fomos a mesma cidade, rendeu-se, em 1189, pela sede. Neste caso, estes silvenses, apesar da fome, e da sede de viver com dignidade, resistiram e continuaram a resistir, particularmente até ao encerramento da Associação Corticeira de Silves, em 1934.

Dou relevância também aos dilemas do delegado do governo, um verdadeiro republicano democrático que fica condicionado pelas proibições do governador civil e tenta a todo o custo gerar entendimentos entre os industriais e os operários corticeiros.

O comandante da guarda republicana, um militar algarvio, que combate durante mais de um ano em França, na Primeira Guerra Mundial, que defende a república contra uma tentativa de restauração da monarquia, em 1919, e que ensina os praças da GNR de Silves a melhorarem os seus conhecimentos académicos, também acredito que viveu os dilemas da sua própria sensibilidade sobre o justo e o injusto.

Por isso, apesar de ter a consciência e a certeza do lado em que me posicionarei, quando for a altura da defesa empenhada de valores sociais e políticos, este livro recorda-nos que todos, cada um à sua maneira, conseguimos ser em simultâneo e em diferentes momentos, nas nossas vidas, boas pessoas e, por vezes, más pessoas.

LIVRO

A opção por um livro, no sentido estético e de formato, sem formalismos nem capa dura é para ser um companheiro de viagem, de café, de jardim, de qualquer espaço. Para ler e trazer no bolso (um bolso um bocadinho maior), na mala ou na pasta. Para ler na biblioteca, na sala, no quarto ou onde o seu leitor goste de dedicar o seu tempo às suas leituras. Boas leituras.

António Guerreiro

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