Os problemas de acesso e de funcionamento do Serviço Nacional de Saúde (SNS) foram dos factores que mais contribuíram para o desgaste do governo anterior, do PS. Em campanha, e depois de sair vencedor das últimas eleições legislativas, o PSD anunciou que iria apresentar, em 60 dias, um plano de emergência para a saúde. Parecia um passe mágico, vamos fazer o que ainda não foi feito, como canta Pedro Abrunhosa…
A magia ainda não aconteceu, como se vê no portal do Serviço Nacional de Saúde, onde é possível monitorizar o cumprimento das medidas apresentadas.
Entre os anúncios, destaca-se a criação de cinco centros de saúde privados no Algarve, uma das regiões com mais carências a nível de médicos e técnicos de saúde.
Uma das dúvidas que se levantou relativamente a esta medida foi saber onde iria o governo (ou a entidade privada) encontrar os profissionais necessários para estas novas unidades de saúde. Tanto mais que se sabe que uma grande parte das vagas que são abertas no Algarve fica por preencher e até nos hospitais privados há carência de profissionais nalgumas áreas.
Não estando ainda dissipada esta dúvida, eis que uma nova informação chega a público: os referidos centros de saúde privados vão poder recusar a inscrição de utentes dos SNS.
Na altura em que escrevo, ainda não são conhecidos os pormenores e as circunstâncias em que estes centros de saúde poderão recusar doentes do SNS (o jornal Expresso, que divulgou a notícia, questionou o Ministério da Saúde mas não obteve resposta).
Sem conhecer os critérios que permitirão aos centros de saúde privados selecionarem os seus utentes, arrisco-me a dizer que o financeiro (o chamado pilim), será prioritário. Arrisco-me também a dizer que ficarão de fora os mesmos de sempre, os que não têm condições financeiras para terem seguros de saúde e afins e os que têm problemas de saúde complicados, que necessitam de muito investimento e tempo… Não foi assim há tanto tempo que tivemos uma pandemia, durante a qual necessitávamos de toda a ajuda possível, e o que os privados nos ofereceram foi as portas encerradas.
Valeu-nos o Serviço Nacional de Saúde que, apesar de todas as dificuldades e debilidades, não fecha a porta a ninguém. Nem na altura da pandemia, nem nas alturas em que a nossa vida não corre da melhor forma.
A constatação de que existem cidadãos de primeira e cidadãos de segunda, no que respeita à saúde, é não só triste como revoltante. Saber que a Câmara Municipal de Lisboa, por exemplo, criou um plano de saúde (Plano Lisboa 65+) que oferece consultas gratuitas aos cidadãos com mais de 65 anos, tendo para isso uma verba de quase cinco milhões de euros, deixa-me contente pelas 130 mil pessoas que vão ser beneficiadas, mas triste por todos aqueles que não moram em Lisboa ou que vivem em territórios cujas autarquias não têm possibilidade de implementarem este tipo de apoio.
E passo a passo, até com boas intenções, se vão acentuando as desigualdades entre territórios, entre os cidadãos…
Lutar contra as desigualdades e pelo acesso cada vez mais abrangente aos serviços públicos de qualidade é uma missão de cada um que não pode ser descurada. Há quem pense que o dinheiro tudo resolve. Mas a doença e o azar são indiferentes à condição social.
Caro leitor, lanço-lhe um desafio. Neste Natal quando, como lhe desejo, estiver rodeado de afeto e com uma prenda no sapatinho, pense também no outro. No menos afortunado. E não sinta compaixão. Sinta revolta e vontade de se manifestar contra a injustiça social, a fome, a guerra, a intolerância. E permita-se pensar nos “porquês” que nos conduzem a estas situações. A quem serve este mundo tão desigual? Quem beneficia da dor alheia?
Muita saúde é o que lhe desejo para o novo ano, 2025, que daqui a dias, ao contrário dos novos centros de saúde, abre as suas portas a todos…