Percorro a sinuosa estrada até à zona da Barragem do Arade e a retilínea estrada seguinte, com destino a São Bartolomeu de Messines. Um curto passeio na longa Estrada Nacional 124. Não me guio pelo GPS porque um caminho experienciado não necessita de guia. Estaciono no jardim, junto à Escola Básica João de Deus, certo da disponibilidade de lugares, mesmo que sejam escassos, e sigo a pé pelas ruas da vila.
O renovado Mercado Municipal vermelhão destaca-se no percurso e uma pintada caixa de distribuição de energia elétrica anuncia o amor pelo teatro da aniversariante: Lisete Martins.
O café da Sociedade de Instrução e Recreio Messinense enche-se com familiares, amigos, muito amigos, e amantes do teatro. São oito décadas de vida e mais de quatro décadas de teatro. Uma vida cheia de personagens, de emoções e de momentos mágicos em que experienciamos, mesmo que por breves minutos, ser outro, ser a vida de outro, ser a nossa personagem. O Grupo de Teatro Penedo Grande, com as quatro décadas de história, recria, com breves trechos, a personagem Bernarda Alba (primeira personagem interpretada pela aniversariante Lisete Martins), da última peça teatral de Federico García Lorca, A Casa de Bernarda Alba (1936), escrita trinta dias antes de ter sido assassinado pelos fascistas espanhóis.
O que vale é que, verdadeiramente, no teatro, como no cinema ou na literatura, não se morre, mesmo quando tragicamente se anuncia o fim da nossa personagem. Leio o romance Por Quem os Sinos Dobram (Ernest Hemingway, 1940) e, apesar de saber que o escrito saiu da imaginação do escritor, sofro com o anunciado destino de morte dos ativistas republicanos.
As recordações avançam e a atriz Lisete Martins partilhou comigo o palco na minha primeira peça no Grupo de Teatro Amador – O Gruta (fundado em 1981), Os de Cá e os de Lá, numa adaptação de Andorra de Max Frisch, numa encenação da Maria Luísa Anselmo, curiosamente, ou talvez não, um texto contra o ódio e a discriminação social. Também tive o prazer de encenar, no Grupo de Teatro Penedo Grande, a peça A Marte, de Abel Neves, em que Lisete Martins renovou o gosto pelas tábuas do palco.
As memórias ficam, mesmo quando não existem imagens fotográficas ou fílmicas que nos gritam: Aquele és tu! ou Tu viste aquilo! ou Tu estavas lá! Tenho poucas imagens das peças teatrais em que participei, talvez fosse possível contactar algumas pessoas e identificar a existências de registos sobre uma vida que já fui, sobre outros que já fui por breves minutos.
Tenho a certeza da primeira vez que me emocionei com Lisete Martins, há muitos anos no Castelo de Silves, com a peça o Círculo de Giz Caucasiano de Bertolt Brecht. Mesmo que tenha sonhado, que tal nunca tenha acontecido, esta imagem perdura desde a minha adolescência, portanto deve ser verdadeira e a Lisete Martins deve ter estado lá.