O Impacto das Experiências Traumáticas na Saúde de Futuras Gerações – I

Vivemos um tempo de crescente número de conflitos desde a Segunda Guerra Mundial. De acordo  com dados da Organização das Nações Unidas (ONU), em 2023, seis a cada sete pessoas no mundo vivem com o sentimento de insegurança e cerca de 2 bilhões — um quarto da população global — vivem em locais afetados por conflitos. Cerca de 14% dos habitantes do planeta vivem a cinco kms de distância de conflitos violentos.

Além dos impactos visíveis causados pela violência, estes eventos têm como consequência sérios danos na saúde mental daqueles que passam por situações traumáticas e consequentemente, na saúde mental dos seus descendentes. Na década de 1970, estudos iniciais analisaram o impacto do Holocausto (que causou a morte de 6 milhões de judeus durante a Segunda Guerra Mundial), nos filhos de sobreviventes de campos de concentração.

Esses estudos deram o pontapé de saída para a compreensão sobre como pessoas que apresentam transtorno de stress pós-traumático (PTSD) podem sofrer modificações na expressão génica sem apresentar alterações no seu DNA — definição de epigenética — e passar essas mudanças para os seus filhos. O transtorno de stress pós-traumático (PTSD) consiste em reações intensas, desagradáveis e disfuncionais que ocorrem após um evento extremamente traumático. Eventos de risco de vida, ferimentos graves, catástrofes naturais, podem causar angústia intensa e de longa duração. É possível que a pessoa afetada reviva o evento, tenha pesadelos frequentes e evite qualquer coisa que possa lembrar a situação.

Recentemente, um novo estudo sueco publicado no periódico JAMA Psychiatry, procurou avaliar essa relação e esclarecer a importância relativa dos genes e da criação/educação na “transmissão” desses distúrbios (população analisada: 2.194.171 indivíduos). Estes estudos são importantes para levantar hipóteses. As análises sugeriram que eventos traumáticos compartilhados foram parcialmente responsáveis pelas correlações observadas na criação dos filhos. O estudo é mais uma evidência que respalda o conhecimento existente sobre transmissão intergeracional de traumas. Ao mesmo tempo, pesquisas realizadas com veteranos de guerra e pessoas que viveram episódios traumáticos ao longo da vida mostraram que, em vez de haver uma alta prevalência de eventos negativos, a maioria dessas pessoas desenvolveu a resiliência para lidar com as adversidades. Vários investigadores apontam para indícios de maior probabilidade de desenvolvimento de PTSD, mas são muitas as variáveis para isso acontecer. Depende do tipo de trauma e dos recursos emocionais que cada pessoa tem, dos modelos [comportamentais] que recebeu ao longo da vida.

Em termos de epigenética, a expressão de alguns genes é ativada ou desativada de acordo com os acontecimentos ao longo da vida de cada um. Os filhos de pessoas que viveram abusos e situações de stress ao longo da vida apresentaram algumas alterações biológicas, nomeadamente ao nível do sistema de resposta hormonal com a libertação de cortisol. Outras alterações identificadas estão relacionadas com o sistema imunitário, sistema metabólico, criação de vínculos, produção de ocitocina.

Surgiram ainda novas evidências que mostram que traumas vividos por gestantes têm impacto nos seus bebés ainda durante a gestação. Uma mulher grávida com um histórico de abuso, necessita de apoio médico e psicológico, para que possa desenvolver uma relação com o seu bebé de maior proximidade e afeto. É preciso implementar medidas de enriquecimento ambiental, favorecer o cuidado, o suporte, o carinho e garantir que a criança terá segurança emocional desde cedo, para diminuir o possível impacto que a transmissão de problemas associados a traumas podem ter.

 

Investigadores nesta área referem que é possível perceber a transmissão dos traumas no sistema de defesa dos indivíduos. A criança pode chorar muito, não dormir, demonstrar sinais de estar sempre irritada. Há diferenças entre os bebés, mas, sem os devidos cuidados, a tendência poderá continuar na adolescência e idade adulta. Intensificar os cuidados é uma forma de fazer com que a criança aprenda a controlar melhor as emoções e a ter relações mais saudáveis ao longo da vida. Uma pesquisa feita na Universidade de São Paulo analisou exposição de gestantes a fatores ambientais e psicossociais e concluiu que pode mesmo aumentar o risco de transtorno do espectro autista (TEA) nos filhos.

No entanto, é crucial lembrar que o nosso passado não define quem somos ou o que podemos alcançar no futuro. Cada um de nós tem a capacidade de superar os traumas, crescer a partir deles e reescrever a nossa história.

Procurar ajuda para ajudar a superar é um ato de força!

 

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