Neste ano de 2024, a Feira Medieval de Silves transfigurou-se num arraial de comes e bebes, em que a animação cultural é irrelevante. O que os visitantes querem é abancar, manjar acepipes e telhas de enchidos e carnes vermelhas e beber sangria. Adoro a feira, adoro a festa, mas, apesar da promoção (ou da sua ausência), o programa foi mais pobre e menos requintado, do que em anos anteriores, com algumas exceções que, naturalmente, fazem sempre a regra.
O povo acorreu em maior número diário, sendo que, junto das zonas de repasto, dificilmente se circulava, particularmente nas imediações da Sé. Ao contrário, junto aos palcos (grandes, pequenos e minúsculos), para as atuações, pouca gente ou quase nenhuma atendiam às exibições dos artistas. É natural, as atividades artísticas são previsíveis, iguais ao longo dos anos (neste caso até se poderá dizer ao longo dos séculos), sem novidade aparente.
As noites do oriente no castelo pecaram pela dessincronia com o tema geral da feira e apostaram numa miscelânea de atuações, com a valorização das habilidades com fogos. Os duelos de honra e paixão na praça Al-Mut’amid encurtaram no tempo e desinvestiram nas exibições com os cavalos. As tendas com quinquilharias esfumaram-se, em favor das de festim sem qualquer caracterização adequada ao evento medieval. Os esforçados artistas, em menor número, lá circulavam pela feira e arrabaldes, repetindo um programa sem cor nem sentimento, às vezes de discutível gosto, como o teatro meio atabalhoado do grupo Satori. Tudo me pereceu já visto, revisto e revisto, mas nem tudo foi requentado.
O espaço arquitetónico está mais bonito, pela criatividade do desenhador Manuel Brás e pelas mãos laboriosas dos trabalhadores da autarquia silvense, distintamente pela mesquita, novas torres e entrada nascente da praça Al-Mut’amid. A iniciativa cozinhar em árabe ganhou outra visibilidade e parece-me uma especial aposta na verdadeira divulgação cultural dos hábitos e costumes dos antepassados islâmicos da cidade de Silves. As atuações do grupo de teatro Tentart, há uns anos muito insípidas, têm sido aperfeiçoadas e, com espaços adequados, poderão constituir momentos de divulgação dos enredos ou das tramas atribuídas à temática da festa. Os fogos dos Animamundy são elegantes e de uma beleza e pureza estonteante. O acampamento berbere e as artes e ofícios são um espaço majestoso para as fotografias.
Os regulares fotógrafos amadores quase que desapareceram ou ainda surpreendem, como foi o caso, para mim, dos preto e brancos urbanos da feira, do silvense Nelson Silva.