A 1ª Conferência do Mar, que decorreu em Armação de Pêra, nos dias 24 e 25 de maio, concentrou-se na riqueza e potencialidades do Parque Natural Marinho do Recife do Algarve – Pedra do Valado, que “já existe no papel” mas deixou um alerta/desafio “agora é preciso concretizar”.

A 1ª Conferência do Mar, organizada pelo Município de Silves, teve dois momentos distintos. O primeiro dia, 24 de maio, foi dedicado ao tema “Literacia Oceânica” e as iniciativas foram dirigidas ao público escolar, dando a conhecer os projetos do Geoparque Algarvensis, uma exposição sobre a Pedra do Valado, e fomentando contactos com pescadores.
O segundo dia da Conferência, dedicado ao tema “Criação do Parque Natural Marinho do Recife do Algarve – Pedra do Valado”, juntou, na Sala Polivalente da Junta de Freguesia de Armação de Pêra, representantes de diversas entidades científicas, pescadores e outros agentes locais, responsáveis por vários organismos do Estado e membros do Executivo Permanente da Câmara Municipal de Silves.
Na sessão de abertura, o vereador da Câmara Municipal de Silves, Maxime Sousa Bispo, e o presidente da Associação de Pescadores de Armação de Pêra (APAP), Manuel João Prudêncio, deram aos boas-vindas aos participantes nesta que, reconheceram, “será a primeira de muitas conferências sobre o mar” e enalteceram a importância de “neste processo da Pedra do Valado, estarmos a trabalhar todos juntos – Estado, associações e universidade”.
Com moderação de Pedro Duarte, ao longo da manhã, expuseram os seus estudos e conclusões: Sebastião Teixeira, da APA (Agência Portuguesa do Ambiente), sobre “Geologia da orla costeira e Pedra do Valado”, João Silva, do CCMAR (Centro de Ciências do Mar do Algarve), sobre “Ervas marinhas e banco de maerl”, a investigadora Bárbara Horta e Costa, também do CCMAR, sobre “Mapeamento e monitorização da biodiversidade marinha”, confirmando que “esta será a primeira área marinha protegida a ter um mapeamento muito fino e detalhado”, e André Carvalho, do IPMA (Instituto Português do Mar e da Atmosfera), sobre os “Recursos pesqueiros”, concluindo que “esta proteção pode vir a valorizar muito a pequena pesca”.
Houve ainda uma apresentação do aspirante Geoparque Algarvensis Loulé-Silves-Albufeira a Geoparque Mundial da Unesco, projeto que visa a proteção do património natural destes concelhos, pelo seu coordenador técnico, Luís Pereira.
No período da tarde, debateram-se os valores socioeconómicos a preservar na região. O presidente da APAP (Associação de Pescadores de Armação de Pêra) falou sobre os desafios e oportunidades da pesca, bem como André Dias, da APSM; Ricardo Mendes, da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, expôs a “Capacidade de carga para visitação de cetáceos”, e as três investigadoras da CCMAR, Adriana Ressurreição, Ana Marçalo e Mafalda Rangel, explicaram as “Regras para visitação de grutas”, as “Interações da pesca com cetáceos, aves e tartarugas” e a “Articulação com cogestão da pesca do polvo”, respetivamente.
A “Implementação, monitorização, fiscalização e cogestão” do Parque Natural Marinho foi o tema do último painel, aberto com a intervenção da presidente da Câmara Municipal, Rosa Palma. Esta começou por expressar o seu “orgulho” pelo processo que conduziu à criação desta área protegida, iniciado em 2018, “ e que não foi tarefa fácil, pois inicialmente não havia muitas pessoas que acreditassem que era possível”. “Os pescadores sabiam que havia aqui algo muito importante, mas como é que se media esse valor? Não havia nada documentado e reconhecido… foi um longo caminho”, acrescentou Rosa Palma que falou ainda da necessidade de “valorizar as artes de pesca” e de “criar um selo do pescado” que identifique o peixe capturado nesta zona. A presidente terminou manifestando a sua “felicidade por fazer parte desta 1ª Conferência”.
Emanuel Gonçalves, diretor executivo da Fundação Oceano Azul, falou da necessidade de se criarem áreas marinhas protegidas, citando um estudo da Universidade do Algarve que afirma que “em 20 anos, o Algarve perdeu 60% dos seus recursos”. Uma realidade que deve ser tida em conta e que não se resolve “só com medidas paliativas”, mas sim com uma “mudança que tem de acontecer” e com processos rápidos. “Não se pode passar dois anos só a analisar o processo, tem de ser mais rápido”, disse Emanuel Gonçalves, pois “se continuarmos no rumo atual vamos todos perder”.
Jorge Gonçalves, do CCMAR, pegando nas palavras da presidente Rosa Palma, confirmou que “a maior parte da pescaria do Algarve vem deste local e os pescadores sabiam desta riqueza há muito tempo, nós fomos lá quantificá-la”. Agora que o processo está concluído “no papel”, há outros aspetos a cuidar, referidos nesta intervenção, nomeadamente o de se definir como será feita a fiscalização da área protegida “estamos a tentar que seja por sistemas de seguimento em tempo real (GPS)”, ou quando começarão a ser pagas as compensações previstas para os pescadores “uma aprovação que já saiu em portaria”, ou ainda como conciliar a gestão do Parque, atribuída ao ICNF, com as outras entidades que ali intervém.
Gonçalo Carvalho, da Sciaena, que tem sido responsável pela comunicação do projeto, falou do “desafio que tem sido mostrar a Pedra do Valado a toda a gente” e acrescentou que há ONGs (organizações não governamentais) de toda a Europa a seguir este processo e com a ideia de “exportar a APIC” (Área Protegida de Interesse Comunitário).
A necessidade de haver um consenso entre todas as entidades, de forma a garantir uma cogestão colaborativa e partilhada foi abordada por Rita Sá, da ANP/WWF Portugal, que apresentou o exemplo do Comité de Cogestão para a Pesca do Polvo no Algarve, criado em março deste ano, representando toda a região algarvia.
Na última intervenção deste painel, o diretor regional do ICNF, Castelão Rodrigues, lembrou que o “este parque é de todos, nós no ICNF temos a responsabilidade de gerir este ativo”, mas com algumas limitações, reconheceu, pois que a delegação regional “não tem autonomia, está sujeita a decisão central dos serviços”. No entanto, prometeu fazer todos os esforços para “pressionar”, igualmente na sua qualidade de vogal do Conselho Diretivo do ICNF. Porque, como disse, “o Parque está criado, pela resolução do Conselho de Ministros em 2024, agora é preciso avançar”. Referiu que em 2016, o Ministério do Ambiente criou a legislação referente à cogestão das áreas protegidas que teve de ser alterada em 2023, pois apenas abrangia parques naturais terrestres. Para este caso, do Parque Marinho, está prevista a criação de uma comissão de cogestão que deverá incluir sete elementos, obrigatoriamente um dos presidentes dos municípios abrangidos por este território (Silves, Lagoa e Albufeira), um representante do ICNF, um representante de uma associação, um representante da Universidade do Algarve e mais três elementos convidados.
Convidado para fazer o encerramento desta conferência, o presidente da CCDR Algarve, José Apolinário que agradeceu o empenho da Câmara de Silves na concretização deste evento, bem como a presença de todos os técnicos e público, e deixou uma palavra “especial” aos pescadores. O presidente da CCDR considerou importante que os oceanos sejam defendidos, bem como a qualidade das praias e do mar, elementos que estão profundamente ligados ao turismo, a mais importante atividade económica da região. José Apolinário reconheceu que a criação de uma área marinha protegida “pode criar alguns constangimentos” e que por isso “é necessário fazer compromissos e procurar o equilíbrio”. Quanto à continuidade deste processo, mostrou-se confiante que o mesmo não vai sofrer qualquer impasse devido à mudança de Governo “já falei com a Ministra do Ambiente que reafirmou que vamos avançar com este processo da Pedra do Valado”.
Terminadas as intervenções, a conferência encerrou com a leitura de dois poemas alusivos ao mar, pelos alunos da escola EB1 n.º 1 de Silves, num momento muito expressivo e bonito e foi apresentado o livro infantil “O tesouro do meu avô”, de Vasco Guia de Abreu. Livro que foi depois oferecido aos alunos presentes.