A cultura da amêndoa no Algarve: notas históricas 2

A importância económica da amêndoa algarvia que já era assinalável no século XVI (ver número anterior deste mensário), ganhou novo incremento no século XVII, tornando-se num dos principais produtos de exportação, a par de figos, alfarrobas, azeite e laranjas.

Para a Flandres e outros mercados tradicionais do Norte da Europa, saíam regularmente dos portos de Faro e Tavira carregamentos de amêndoas (cocas e duras) que os mercadores encomendavam em Loulé, Albufeira, Tavira (Joaquim Romero de Magalhães, O Algarve Económico 1600-1773, págs. 172, 259, 281). A produção e exportação nas zonas de Silves e Lagos está pouco documentada, sabendo-se que os frutos secos desses concelhos eram escoados através dos portos de Vila Nova de Portimão e de Lagos.

Em meados do século XVIII (1759), o corregedor da Comarca do Algarve, Sebastião Xavier de Gama Lobo, critica, em tons excessivos, o mau aproveitamento das amêndoas e de outras riquezas do Reino do Algarve: não obstante todos estes géneros, meios para ganharem a vida e adquirir muita riqueza, pela ociosidade inata de seus habitantes e castigo de seus vícios, é um reino pobre e miserável, aonde não há outra indústria mais que a de roubar o seu soberano (Romero de Magalhães, op. cit., p. 281).Uma apreciação que denota uma visão estereotipada dos algarvios, numa abusiva generalização.

No século XIX, a amêndoa continua a exportar-se em abundância, tanto em casca como em miolo, para Lisboa e para o estrangeiro. Em 1836, foram exportados 13 952 alqueires de amêndoa em casca (durázia e bico de passarinho) e 6247 arrobas de amêndoa em miolo (coco e molar) (cf. Silva Lopes, Corografia ou Memória Estatística, 1872, p. 147). A variedade amarga já então era usada para fabrico de licores e para doces (previamente curtida em água).

Por volta de finais do século XIX, inícios do século  XX, foram introduzidas diversas variedades do tipo durázias (ludo, ferragudo, casta boa, José Dias), menos sensíveis às geadas (Maria Carlos Radich, O Algarve Agrícola, 2007, p. 75). Vendiam-se acondicionadas em alcofas de palma e autores da época (Leotte, 1901, Barbosa y Pego, 1901) referem que lavradores e comerciantes enganavam-se mutuamente de forma a fazerem passar casca por miolo e no comércio misturavam as várias qualidades (Radich, op. cit., p. 76).

O quadro que a seguir se apresenta evidencia o aumento das exportações (médias anuais nos quinquénios):

1890-94 1942-46 1952-56
Amêndoa em miolo 233 toneladas 1 733 toneladas 2 388 toneladas
65 contos 43 296 contos 61 342 contos
Amêndoa em casca 574 toneladas 404 toneladas 356 toneladas
87 contos 3786 contos 3904 contos

(José Manuel Soares, Os Frutos e Produtos Hortícolas na Economia do Algarve, 1965, p. 23)

Nos anos 50-60, estimava-se que existissem cerca de 4,2 milhões de amendoeiras no Algarve, com uma produção média anual de 10 000 toneladas, para o que contribuíam, maioritariamente os agrupamentos de Loulé (com Albufeira, Alportel, Faro e Olhão) – 50%, e de Silves (com Lagoa) – 25%. Nesse período e até aos inícios dos anos 70, o maior exportador da região era a empresa Teófilo Fontaínhas Neto, de S. Bartolomeu de Messines, que tinha criado, em 1949, uma marca própria, “Vieira”, para a exportação de amêndoa.

Anos 50-60, os grandes exportadores de amêndoas, em Messines

A partir da década de 70, verifica-se uma quebra acelerada da produção da amêndoa algarvia. Em 1973, já se produziram apenas 5 mil toneladas de miolo, e em 1980, estava a produção reduzida a 2 mil toneladas.

A concorrência da amêndoa da Califórnia, a substituição dos pomares de amendoeiras por pomares de citrinos, entre outros factores, levaram a um abandono progressivo dos amendoais algarvios:

1990 -16 383 ha.; 2000 -13 713ha.; 2011 – 7502 ha.; 2020 – 5013 ha.; 2022 – 5001 ha.

Nos últimos anos, têm surgido alguns pomares de regadio e cultura intensiva (p. ex. Messines, Cacela), com variedades de amendoeiras mais resistentes às geadas e que atenuaram um pouco a tendência de abandono, mas sem que se vislumbrem boas perspectivas, dada a carência de água na região e a pouca competitividade com os amendoais de regadio do Alentejo que, segundo os especialistas, estão a produzir 10 vezes mais do que os algarvios.

A não ser que se encontrem soluções para valorizar as amendoeiras e as amêndoas algarvias (actualmente, estão recenseadas mais de uma centena de variedades), restar-nos-à a evocação de saudosas memórias:

A amendoeira dá-se por toda a parte, mais ou menos, mas os mais belos amendoais pertencem ao Algarve, como os alfarrobais. Pois que a amendoeira nesta província floresce em Janeiro, constitui então o florescimento um quadro natural muito agradável: as árvores, movidas pela viração, parecem fadas que bailam, de leves roupagens. O que pela sua raridade, atrai ao extremo Sul muitos forasteiros, ávidos de gozo. Se o florescimento é lindo, o fruto é rendoso, e contam-se muitas qualidades de amêndoa: de côco, molar (de casca branda), durázia (o contrário), bonita (do mesmo modo, de casca dura), passarinha (com a casca terminada em bico, dos dois lados, semelhante ao de um pássaro), de boa casta (amêndoa grande com dois miolos), amargosa. Apresenta algumas diferenças a flor, quanto às cores: a da amêndoa de coco é cor de rosa, a da passarinha é cor de carne; a das outras amendoeiras é branca. (Leite de Vasconcelos, Etnografia Portuguesa, vol. II, 1ª ed. 1936, reed. 1980, p. 70).

 

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