Foi na Sociedade Recreativa Alcantarilhense que, no dia 20 de fevereiro, teve início o Ciclo de Conferências “A Palavra é uma Arma” , promovido pela Câmara Municipal de Silves, integrado nas comemorações dos 50 anos do 25 de abril.
Esta primeira conferência abordou “A oposição e resistência ao Estado Novo em Silves”, um tema que foi desenvolvido por Maria João Raminhos Duarte, historiadora e investigadora silvense que tem publicado diversos trabalhos sobre esta temática.
Maria João Duarte começou por dizer que o “concelho do Algarve que mais resistiu ao Estado Novo foi o de Silves”, o que justificou que na PIDE existisse até um processo separado dedicado a este concelho, “o que demonstra a importância de Silves” para a resistência.
Uma resistência que começa logo a seguir ao golpe de 28 de maio de 1926, no qual estiveram implicados “dois cabecilhas algarvios”, Mendes Cabeçadas (de Loulé) e David Neto (do Algoz).
Em Silves, uma cidade com muito operariado com fortes tradições anarco-sindicalistas, a oposição é imediata, o que origina grandes levas de prisões, primeiro “a nível dos anarquistas” mais tarde “aos comunistas”, que, com o passar do tempo, se tornam na força que opõe a maior resistência ideológica e prática. A 18 de janeiro de 1934 dá-se um acontecimento marcante em Silves, com uma greve geral em que “nenhuma fábrica e comércio abriram as portas”. O protesto visava a decisão de Salazar de proibir as associações de classe e passar a nomear os dirigentes dos sindicatos nacionais. Mais de 50 e tal pessoas são detidas “caçadas depois da greve”, conta Maria João Duarte, neta de João José Duarte, republicano, maçon, administrador do concelho que também foi exonerado do cargo por motivos políticos.
Apesar das perseguições, e mesmo havendo em Silves “um presidente da Câmara muito fascista, Salvador Gomes Vilarinho”, a oposição ao regime crescia. Em Silves, havia em 1938, “vários centros de oposição ligados ao PCP”, como na Escola Comercial e Industrial, ou no Silves Futebol Clube, “ no qual os dirigentes, a maior parte operários, eram todos do PCP”, bem como na Sociedade Filarmónica Silvense, na Biblioteca Popular ou no Grupo Esperantista Verda Stela.
“Os anos 40 são os anos de ouro do PCP no Algarve”, com figuras destacadas do PCP, como José Gregório, Sérgio Vilarigues ou Octávio Pato, como “controleiros”. José Rodrigues Vitoriano, operário silvense, consegue ser eleito para o importante Sindicato Nacional dos Operários Corticeiros, em 1945.
Mas em breve a repressão abate-se sobre a resistência quando o inspetor da PIDE, Fernando Gouveia, “apanha no Alentejo um arquivo e a organização cai como um baralho de cartas”. As prisões são numerosas, no Alentejo e no Algarve, e os presos sujeitos às práticas habituais “tortura de sono, espancamento, estátua”.
Os anos 50, na sequência destas prisões, “tornam-se muito difíceis”, embora ainda hajam alguns momentos significativos, como quando se deu a transladação dos restos mortais do ex-presidente da República, Teixeira Gomes, “um inimigo do Estado Novo” e “a oposição toda convergiu para Portimão” ou nas eleições presidenciais de 1958, com a candidatura de Humberto Delgado, que recebeu grande apoio no Algarve e no nosso concelho, particularmente em São Marcos da Serra.
“A partir dos anos 60 a oposição morre, a cidade estava queimada” com as perseguições e prisões, “passa por um período de apatia” mas “até ao 25 de abril há sempre silvenses presos”. Nesta altura, o regime vira-se para os estudantes que nas universidades começavam a protestar, pelo que, em 1973, “75% das detenções eram de estudantes”.
A oposição à direita
Além da oposição “à esquerda”, desenvolvida pelos anarco-sindicalistas e pelo Partido Comunista Português, o regime salazarista “também teve oposição fascista”, feita por pessoas que, influenciadas pelas ideias da Alemanha Hitleriana, “queriam tomar o poder” .
Um desses nomes está ligado a Silves, José Domingos Garcia Domingues, que mais tarde se tornou um distinto arabista. Com um percurso controverso, acabou afastado das suas funções e finalmente estabeleceu-se em Silves, como professor na atual Escola Secundária de Silves.
A resistência
São muitos os nomes dos resistentes do concelho de Silves. Na sua conferência, Maria João Duarte destacou alguns: António Neves Anacleto, da Amorosa, freguesia de Messines, “preso, algemado e deportado”, foi mais tarde fundador do PSD e é avô de Francisco Louçã.
José Correia Pires, José dos Reis Sequeira, Sebastião dos Ramos Viola Júnior “um dos primeiros portugueses a frequentar a escola leninista em Moscovo, que esteve preso no Tarrafal um longo período de tempo, sem nunca ter sido julgado”; António Estrela, um dos primeiros tarrafalistas, José Vitoriano, Manuel Madeira, Diamantina Jesus Vicente são alguns dos nomes destacados, da oposição em Silves.
Mas também de Silves partiram pessoas que continuaram a sua luta contra a ditadura enquanto exilados no Brasil, como Manuel Lourenço Neto; ou em Almada, ou Lisboa, como o jornalista Julião Quintinha e António d’ Almeida Duarte que tinha a particularidade de ser filho do maior industrial de Silves.
Perseguidos pela PIDE, despedidos dos seus empregos, presos, torturados, desterrados, a história da oposição ao regime conta-se em Silves com muito sangue, sacrifício e lágrimas, e “com personalidades ímpares a nível nacional”.
De referir que no dia 1 de março, houve mais uma conferência com o tema, “A resistência no feminino: vozes e silêncios das companheiras algarvias”, na Biblioteca Municipal de Silves. A terceira e última sessão deste ciclo terá como tema “A longa noite: presos políticos silvenses” e realizar-se-á no dia 15 de maio, na Casa Museu João de Deus.