No dia em que esta edição sair para a rua (7 de fevereiro), terá acontecido mais uma concentração junto ao Hospital de Portimão, convocada pela Comissão de Utentes do Serviço Nacional de Saúde. Pessoalmente (mea culpa) nunca fui a nenhuma concentração em Portimão, ao hospital que mais serve a nossa população. Mas já estive em protestos em São Bartolomeu de Messines, Silves, Alcantarilha. Em todos o mesmo cenário: os protestos todos mais do que justos, as necessidades mais do que muitas… mas uma fraca participação popular. Uns dizem que não sabiam, outros não podiam àquela hora, ou que estavam a trabalhar… de protestos para mais saúde a mais verbas para a cultura, as justificações para a ausência são sempre as mesmas. E há os: “não estou para essas coisas” e os: “eles que resolvam”. Ou na versão popularucha/populista: “os que estão no poleiro”.
E se “eles” não resolvem?
Na altura em que esta edição está a ser composta, estão a decorrer protestos de agricultores por uma grande parte da Europa. Além das reivindicações comuns a toda a classe, aqui, no Algarve, juntam-se as dificuldades provocadas pela seca e a falta de água.
Ouvindo falar dos cortes de água para os agricultores e das dificuldades que enfrentam, sinto assim uma espécie de tristeza e de culpa alheia. O primeiro número do Terra Ruiva, meus caros leitores, de abril de 2020, tinha como tema de capa a seca e a falta de água. Repetidas vezes este tema veio nas nossas páginas. Mais do que uma vez falámos da avaria das comportas de superfície da Barragem do Arade, nessa situação há duas décadas, e que se estivessem arranjadas permitiriam armazenar uma quantidade considerável de água. E também publicámos notícias sobre o encerramento das delegações da Direção Regional de Agricultura, o que pouco a pouco levou ao desmantelamento dos serviços de apoio aos agricultores… e do próprio Ministério…
Podem dizer-me, mas o Terra Ruiva é um jornal pequenino… vozes de imprensa local não chegam ao céu… Faço uma pergunta: e durante estes anos todos, onde estiveram os agricultores, as suas organizações, os responsáveis pelos organismos do sector?
Nas últimas semanas, saltou para a ribalta mediática a questão dos cortes no fornecimento de água à agricultura, como se fosse uma novidade, mas há quantos anos anda a Associação de Beneficiários e Regantes de Silves, Lagoa e Portimão a fazer cortes? E os empresários do turismo que falam constantemente no “melhor ano de sempre”, a que correspondem lucros de milhões, não sabiam, não previram, não tomaram medidas, não protestaram? …
É também verdade que, à exceção de uma voz ou outra que não teve força, “eles”, os tais dos cargos políticos e públicos, não cuidaram da região que deviam defender… uma região que parece tão bonita e encantadora, mas que está efetivamente à margem do desenvolvimento, com índices de pobreza brutais, com baixa escolaridade e má prestação na maioria dos indicadores sociais e que tem pouca ou nenhuma influência política.
Aqui chegando, olhemos também para o cidadão comum, eu, vocês. Está provado que “às boas não vamos lá”. Não vamos lá, com ações de sensibilização. Os indicadores do consumo não mentem. E os nossos olhos também não, quando nos mostram pessoas a lavar passeios, esplanadas, a abrir torneiras e a deixar correr… E mais aqueles que exigem chuveiros e lava pés na praia de Armação de Pêra para não levarem areia para os apartamentos onde estarão meia dúzia de dias, não sendo afetados pela escassez de água…
Há casos onde, como todos são culpados, ninguém é responsabilizado. Este é um exemplo. Mas temos de colocar em causa os nossos comportamentos e os modelos de agricultura e de turismo que a região tem vindo a seguir, largamente dependentes da existência de muita água. Muita água. Que não existe.
No dia em que componho este texto já foram anunciadas medidas, projetos, planos, 500 milhões para agricultores, mais milhões para isto e para aquilo. Tudo muito importante, bom e necessário, mas não resolverá o problema principal. Os milhões de euros, mesmo com muito boa vontade, não conseguem fazer chover.
Se não chover a região vai colapsar. É grave.
Mas se chover não façamos como até aqui. Não deixemos o assunto a arrastar-se algures nos gabinetes…. E não tenhamos memória curta… lembro que há um ano atrás andávamos todos num alvoroço porque tínhamos descoberto o preço do altar-palco para receber o Papa Francisco… e um ano depois já ninguém se lembra dos milhões gastos, embora não se conheça qualquer utilização ou serventia do dito palco, após terem terminado as Jornadas Mundiais.
Anunciam-se muitos milhões. Mas como a Paula diz, esses milhões não trazem água. E se aqueles que dizem que nos governam, pensassem em gastar alguns desses milhões, para trazer a água donde ela há em abundância, para o Algarve. Ou será quando isto for um deserto é que pensam em fazer algo de concreto. Há tantos anos que sabemos que isto ia acontecer, e só agora é que começam a dar os primeiros passos. Se “s.pedro” não nos ajudar vamos pagar laranjas a cinco euros e é se haver algumas.