No Centro de Exposições de Alcantarilha, até ao final de dezembro, pode ser vista a exposição de arte “Quebra-Costas”, com peças da Coleção Luís Negrão e Família.
Uma oportunidade (muito rara) de encontrar no mesmo espaço obras de arte contemporânea de vários (e reconhecidos) artistas, num centro de exposições afastado das grandes cidades. A oportunidade surgiu através da generosidade de Luís Negrão, filho da terra de Alcantarilha.
A 3 de setembro, Dia do Município de Silves, tivemos o prazer de assistir à inauguração da exposição “Quebra-Costas”, com peças da Coleção Luís Negrão e Família. Como surgiu esta colaboração com o Município?
Nas mais recentes viagens a Alcantarilha, chamaram-me a atenção as obras de reabilitação do antigo Mercado de Alcantarilha e destinadas à criação e instalação de um Centro de Exposições.
Foi minha iniciativa contactar e oferecer ao Município de Silves uma exposição de arte para a inauguração do novo espaço, que veio a acontecer no Dia do Município, 3 de setembro de 2023.
Alcantarilha é uma vila com um património histórico, cultural e religioso muito valioso, necessitando de ser atualizado, valorizado e divulgado. A sociedade civil alcantarilhense tem-se organizado nesse sentido e promovido iniciativas de muito valor e interesse.
Sendo algarvio e alcantarilhense não podia deixar de colaborar neste processo de rejuvenescimento e valorização cultural de Alcantarilha, oferecendo a minha boa vontade e partilhar algum património cultural adquirido nos últimos anos.
Fiquei muito contente pela recetividade que a minha “oferta” teve no Município de Silves, na pessoa da Sra. Presidente da Camara Municipal de Silva, Dra. Rosa Palma.
Qual o critério seguido para a escolha das peças apresentadas em Alcantarilha?
A escolha das obras em exibição no Centro de Exposições de Alcantarilha foi da responsabilidade do curador Dr. Hugo Dinis, que conceptualizou e organizou a exposição. As suas opções foram apresentadas e depois conversámos um bocado e chegámos rapidamente a um consenso, o que nunca é difícil.
Genericamente, os critérios maiores para a seleção das obras a reunir numa exposição são a qualidade artística e técnica de cada obra, tentar mostrar várias etapas evolutivas da produção de arte em Portugal no século XX e XXI, apresentar vários artistas plásticos com entendimentos diferentes da arte e no final conseguir uma obra (exposição) interessante, agradável e atraente para o público em geral
Nas exposições que realizamos, e sempre que possível, tentamos mostrar ou apresentar a arte plástica nas suas diferentes expressões – pintura, escultura, cerâmica, fotografia (que compõem a Coleção Luis Negrão e Família), criando na exposição, que pode ser pequena ou grande, vários núcleos, que se individualizam no interior da exposição, mas no final compõem um conjunto harmónico, aumentando o interesse na visita da exposição.
Penso que este objetivo foi plenamente conseguido na exposição inaugurada no dia 3 de setembro de 2023.
Na cerimónia de inauguração destacou uma pintura, de Inácio Mendonça e referiu-se à sua ligação a Alcantarilha. Pode falar-nos um pouco sobre essa ligação e sobre si (quem é o Luís Negrão)?
Luís Negrão nasceu em Lisboa e é filho de pais algarvios, ambos naturais de Alcantarilha.
Desde o primeiro ano de vida e até à atualidade vive em Coimbra, onde estudou, licenciou-se em Medicina, especializou-se na área de Neurologia e é atualmente o coordenador do laboratório de electromiografia e potenciais evocados e da consulta externa de doenças neuromusculares do Serviço de Neurologia do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra.
O Algarve, e em particular Alcantarilha, foi sempre uma companhia em toda a minha vida, onde passava grandes períodos do ano até concluir os estudos universitários. Depois, o tempo disponível de férias passou a ser mais curto, como é habitual quando se inicia uma carreira profissional. Até hoje, todas as minhas férias “grandes” foram gozadas em Alcantarilha.
Inácio de José Mendonça é tio materno da minha mãe, residia em Alcantarilha e visitava frequentemente a casa dos meus pais durante as nossas estadias algarvias. Conheci-o na infância e mantínhamos contactos regulares nos meus períodos de férias de verão. Pessoa notável, de uma perspicácia invulgar, sobredotado, abarcando vários domínios da expressão artística – pintura, canto, bailado, pianista, e violinista – deixou para a posteridade um legado cultural brilhante, de que a pintura é o mais perene.
Incluir uma obra de Inácio de José Mendonça numa exposição de arte, na sua terra natal e lado a lado com grandes nomes da cultura portuguesa, foi a melhor e a minha maneira de lhe agradecer e homenagear a sua memória.
Da pesquisa sobre a sua coleção, penso saber que a mesma tem mais de 350 obras de arte contemporânea, com grandes nomes representados. Pode dizer-nos como se iniciou esta coleção e qual o seu objetivo?
As coleções fazem-se, não se decide fazer uma coleção, se excluirmos as coleções que se constroem numa perspetiva economicista ou mercantilista, como um investimento. Estão nesta situação as coleções de arte dos bancos comerciais (BPP, BPN, BES, etc).
Uma coleção de arte deve ser entendida como qualquer coisa que ocorre e corre naturalmente, sem pressa. Não se sabe quando começou e não se sabe quando vai terminar.
Numa perspetiva diferente, outra pergunta se pode fazer: quantas obras de arte são necessárias para se dizer que há uma coleção? São necessárias 10, 500, 1000? Obviamente, o número não importa.
Sem o objetivo de criar uma coleção, adquiro arte, em particular pintura, há mais de 30 anos. Posso dizer que nos últimos anos tem havido um volume maior de aquisições. A Coleção Luis Negrão e Família inclui pintura, escultura, cerâmica e fotografia., todas produzidas por artistas portugueses e percorre um século de arte em Portugal.
Respondendo diretamente às suas perguntas, posso indicar como início formal da coleção o dia em que iniciei a colaboração com o curador Dr. Hugo Dinis, no ano de 2021.
Neste momento, o grande objetivo é melhorar a qualidade intrínseca da Coleção, com a aquisição de novas obras, e em simultâneo, cumprir o dever cívico de promover e divulgar, sempre que houver oportunidade, a arte portuguesa e os artistas plásticos portugueses.
Na internet é possível encontrar várias referências a exposições, com peças da sua coleção. De onde surge esta vontade de partilhar? (Não é mais comum o colecionador que compra pelo prazer de ter e de ser o único a usufruir da peça?).
A sua pergunta não é original e oferece-me várias especulações:
1-Em Portugal não há tradição da iniciativa individual, privada, participar na divulgação cultural, na forma de exposições ou noutro formato ou veículo.
Habitualmente, e mais evidente recentemente, é o Estado que assume esta responsabilidade, e em particular nos últimos anos, depois de receber nos braços várias coleções de arte de banqueiros (e não só) que caíram “em desgraça”.
Por isso, a grande coleção de arte contemporânea portuguesa é recente e é do Estado português.
Em vários países europeus e nos Estados Unidos da América, as exposições de arte e os museus têm uma forte componente privada e as coleções privadas de arte são a regra e não a exceção.
Será por isso surpreendente e estranho que alguém se disponha a “investir” na área cultural, sem retorno económico, quando podia investir no imobiliário e ficar mais rico!
2- Em Portugal, e numa lógica salazarista, não é bem visto expor património ou riqueza ou sobressair publicamente. A máxima salazarista que percorre o nosso subconsciente e ainda está muito viva é: “o pobre é resignado e o rico deve ser reservado”.
Tomar a iniciativa de organizar individualmente uma exposição é de certa forma inédito em Portugal, vai contra o establishement e a tradição cultural portuguesa. É arrojado sair da órbita estatal do subsídio e será uma surpresa para muitos.
3- Expor publicamente obras de arte não é fácil, a todos os níveis, mas é uma obrigação cívica e um dever ético, de proporcionar a todos a vivência do património cultural do país, de promover a arte nacional e divulgar os artistas plásticos nacionais.
Um país culto é um país rico.