O Orçamento do Estado (OE) para 2024 não traz nada de novo quanto às grandes linhas de orientação traçadas pelo Governo de António Costa, a não ser uma deriva para a direita, também com mais privatizações, da TAP à EFACEC. Não é pois surpreendente que a jornalista Ana Sá Lopes tenha defendido recentemente que “não é fácil ser-se oposição de direita por estes dias”, ao considerar que o governo do PS se teria apropriado do seu programa em matéria de finanças públicas.
Porém, nada que contrarie a lógica do mercado único e da moeda única da União Europeia, espaço onde o país está inserido, que é fiel à política mais ou menos única no campo da economia política, de natureza neoliberal, e também ao pensamento único, que se alarga hoje aos meios de comunicação de massa, onde tudo o que divirja é deturpado, silenciado ou condenado, afastando o contraditório e ofendendo a liberdade de expressão e opinião, direito fundamental num regime democrático.
Na proposta do OE para 2024 o governo fixa-se na política de contenção e nas chamadas contas certas, com o objetivo prioritário da redução da dívida pública, desta vez com a novidade da criação de um Fundo de Investimentos Estruturantes (mealheiro para investimentos futuros).
O governo revela-se pouco ambicioso no uso do excedente orçamental, abdicando de um combate consistente ao aumento do custo de vida, ao reforço dos direitos sociais, à promoção da justiça fiscal e do investimento público.
Na última década, Portugal foi o segundo país da UE em que o Estado menos investiu. Entre 2017 e 2023, face aos valores orçamentados, ficaram por aplicar 5802 milhões de euros, sacrificando-se a resolução de problemas (infra)estruturais e a valorização dos serviços públicos. A política económica secundariza o efeito multiplicador que o investimento público produz na dinâmica da economia e na alavancagem do investimento privado, com impacto na redução das importações, e em última análise no aumento do PIB e na redução da dívida pública em percentagem do produto. O OE privilegia a via da contenção e da austeridade encapotada, não aproveitando o potencial de crescimento e desenvolvimento económico.
Na matéria sensível da fiscalidade o governo dá com uma mão (pouco) através dos impostos diretos, e retira com a outra (muito) através dos impostos indiretos, que como é sabido não diferencia nem ricos nem pobres.
Um litro de leite custa o mesmo para um pobre ou desempregado ou para um grande acionista. O orçamento alivia ligeiramente a carga fiscal sobre os rendimentos mais baixos e intermédios (primeiros cinco escalões), atualiza os escalões de rendimento em apenas 3% e não atualiza a dedução específica, congelada desde 2010, o que beneficiaria todos os rendimentos. Convém relembrar que quase metade dos trabalhadores não paga IRS e a maioria dos reformados também não.
O IVA, imposto economicamente regressivo, que todos pagam por igual, é agravado com a eliminação da taxa zero nos bens alimentares, não existindo vontade para a reposição dos 6% na eletricidade, gás natural e gás de botija, que facilitaria a vida à larga maioria das famílias portuguesas.
O OE não elimina o adicional sobre produtos petrolíferos (ISP) e a dupla tributação dos combustíveis (IVA sobre ISP). A proposta do PCP nesta matéria foi rejeitada por PS e PSD.
O aumento do Imposto Único de Circulação (IUC), a pretexto de preocupações ambientais, para automóveis anteriores a 2007, é uma medida de injustiça social, revoltante e aberrante, que penaliza precisamente aqueles que menos ganham e não têm a possibilidade de trocar de viatura.
Em termos de Orçamento do Estado o Capital não se pode queixar. Os seus benefícios fiscais passam para 1600 milhões de euros, mais 15% face a 2023, as verbas das parcerias público-privadas (PPP) são reforçadas em 200 milhões, enquanto mais de metade do Orçamento do Serviço Nacional de Saúde (SNS) vai diretamente para os privados. São 8000 milhões de euros, quando o total do orçamento para a saúde é de 15,700 milhões. A direita portuguesa não apresentaria um orçamento muito diferente daquele que o PS apresentou. É a realidade de um país mais desigual e injusto.