Há dias fui dar um passeio até uma estação de comboios do concelho Silves para testemunhar o contentamento de uma criança ao ver passar o Intercidades e dei por mim a imaginar o que terá sido a chegada do primeiro comboio a Faro em 1889, onde recorde-se “nem Majestades, nem Altezas, nem ministros” estiveram presentes.
Consta que foram três dias de festa para celebrar a chegada do comboio pois Faro, Loulé, Albufeira, S. Bartolomeu de Messines e São Marcos da Serra eram contemplados com este importante meio de transporte. A ferrovia era vista como um progresso, uma necessidade para a economia e uma importante alavanca para o desenvolvimento do território, das cidades, regiões e do país. Entristece-me que essa noção se tenha perdido com o passar do tempo à medida que a aposta nos transportes rodoviário e aéreo foi sendo cada vez maior. E Portugal apostou forte na rodovia.
A ferrovia, quer na vertente de transporte colectivo como de mercadorias, é fundamental para reduzir as emissões poluentes, permitir a igualdade de acesso à mobilidade sustentável para todos e ligar internamente cidades e regiões mas também o país à Europa de uma forma eficiente. Do ponto de vista doméstico, durante largos anos, os investimentos continuaram a privilegiar os principais eixos em detrimento de linhas secundárias condenadas à degradação e ao encerramento.
Entre 2005 e 2021, foram encerradas 138 estações de comboios em Portugal (dados da PORDATA e INE), o que corresponde a uma média de cerca de 9 estações de comboios encerradas por ano durante 16 anos.
Em 2022, o país apresentava uma extensão de linha ferroviária de 3.622 kms, sendo que 1.095 kms (30%) se encontrava desativada. Por comparação, em 1991, Portugal apresentava uma extensão de linha ferroviária de 3.546 kms (em 30 anos a linha cresceu uns meros 76 kms) e apenas 12% da linha, 429 kms, se encontrava desactivada.
Não obstante o aparecimento do alfa-pendular no final dos anos 90 do século passado – um comboio capaz de circular a uma velocidade de 220 km/h -, a ligação Lisboa-Porto tal como Faro-Lisboa, continua a demorar nos dias de hoje cerca de três horas, pois é necessário parar para permitir o cruzamento de comboios e partes significativas dos troços não permitem velocidades mais elevadas. Já para ligar Faro ao Porto, recorrendo ao alfa-pendular, são precisas 6 horas de viagem, algo que de avião com todas as emissões poluentes associadas a este tipo de transporte demora cerca de uma hora.
Enquanto criança, no início dos anos 1990, tive a felicidade de viajar no comboio de alta velocidade original, o TGV (francês), e recordo-me de ter ficado absolutamente fascinado com a velocidade do comboio mas também com a inclinação necessária para descrever as curvas. Para um miúdo, aquilo era uma nave espacial de cor laranja que circulava sobre carris à velocidade da luz, tal era a forma como as cidades e paisagem eram convertidas em fugazes rastos de cor e luz. Trinta anos depois e, se tudo correr bem, o TGV Português, vulgo alta velocidade, permitirá daqui a oito anos (2031) realizar uma viagem entre Porto e Lisboa em cerca de 1 hora e 20 minutos. Quando chegará ao Algarve?
O atraso é evidente e o país procura agora recuperar o tempo perdido, investindo na modernização e electrificação da ferrovia, na substituição, renovação e aquisição de material circulante, equipamentos de sinalização, entre outros, e nesse âmbito encontra-se actualmente a ser objecto de intervenção a linha do Algarve no troço Tunes-Lagos. Concluídas as obras (2024), prevê-se uma redução de 25 minutos no tempo de viagem entre Lagos e Vila Real de Santo António, num percurso que actualmente excede as 3 horas, pois subsiste a necessidade de transbordo em Faro. Por comparação, de carro recorrendo à EN125 o tempo despendido seria sensivelmente o mesmo e caso se optasse pela A22 bastaria cerca de 1 hora e 30 minutos. Haverá vantagem em criar uma oferta complementar? Um serviço inter-regional que permita atravessar o Algarve, com menos paragens, que possa assegurar ligações mais rápidas a toda a região? Uma matéria a estudar por quem de direito.
Saliento, por último, a necessidade de dar eco junto de Lisboa à ligação ferroviária entre o Alentejo, o Algarve e a Andaluzia, um eixo que poderá ser vital para o crescimento económico e social desta Eurorregião que conta com importantes infra-estruturas, doze portos comerciais, de onde se destacam Algeciras e Sines, seis aeroportos internacionais e mais de 10 milhões de habitantes. Espero que não percamos esta carruagem com destino ao corredor ferroviário atlântico.