As Jornadas Europeias do Património, que se comemoram a 23 e 24 de setembro, foram a altura escolhida para revelar ao público as escavações que têm estado a decorrer e que desvendaram parte da Couraça Islâmica de Silves.
A história é conhecida. Em 1189, quando os Cruzados, em auxílio do Rei D. Sancho I, tentam a conquista da cidade de Silves, deparam-se com uma forte resistência e um imponente conjunto de muralhas que tornam difícil esse objetivo. Após algum tempo, os ataques cristãos concentram-se na destruição da muralha exterior, a “Couraça”. A Couraça Islâmica de Silves era um dispositivo com quatro torres, que defendia o acesso ao rio, com um sistema complexo de extração e de condução de água para a parte alta da cidade. A sua existência é referida em diversas passagens na “Crónica do Cruzado Anónimo”, que relata a conquista de Silves.
Na sequência de sucessivos ataques, a defesa muçulmana é forçada a abandonar a Couraça e as tropas cristãs conseguem acesso ao poço que abastecia a cidade. Refere o cruzado anónimo que o canal das águas se abastecia de um poço fundo junto ao rio e também que as torres da couraça foram destruídas, bem como entupido um poço “no qual os mouros depositavam tanta confiança”.
Em pouco tempo, quer as forças defensivas, quer a população de Silves, que se refugiara na Almedina, começam a sofrer com a escassez de água, não sendo suficientes as cisternas e poços existentes. A resistência muçulmana prolonga-se ainda por algum tempo, mas a sede quebra a vontade de lutar e a 3 de setembro de 1189, a cidade rende-se às tropas cristãs e sofre a destruição, a pilhagem e a carnificina.
Após esta primeira conquista cristã, Silves voltou a estar sob domínio muçulmano e uma das principais preocupações dos novos governantes foi assegurarem que a história não se repetiria. Além do reforço do sistema defensivo da cidade, construíram o conhecido Poço-Cisterna, que hoje se encontra no interior do Museu Municipal de Arqueologia. E, na Alcáçova do Castelo, naquele que seria o “último reduto”, construíram o Algibe, a grande cisterna, à qual os invasores só teriam acesso depois de ultrapassar todas as muralhas.
Considerada uma obra de engenharia “brutal”, escavada no subsolo e construída com blocos de grés, calcula-se que permitiria abastecer 1200 pessoas durante um ano e esteve em uso, abastecendo a parte alta da cidade, até aos anos 80 do século XX.
Neste dia quente do mês de setembro de 2023, junto à rua Dr. Francisco Vieira / Escadinhas do Mirante, é difícil imaginar que a imponente muralha sob a qual nos encontramos foi testemunha de todo o ocorrido.
Para Maria José Gonçalves, responsável pelo sector do Património da Câmara Municipal de Silves, e uma das arqueólogas que conduz os visitantes, foi grande a emoção ao ter compreendido que as escavações neste local estavam a revelar a couraça, descrita na Crónica do Cruzado Anónimo.
“Uma coisa é lermos e sabermos que existia, outra coisa é estarmos a vê-la, depois de tantos séculos”, diz.
Na verdade, esta descoberta deu-se quando, há cerca de oito meses, começaram a ser feitas obras numa habitação. Dada a localização da obra, foram realizados trabalhos de “arqueologia preventiva” por parte da empresa construtora, mas, quando se percebeu a dimensão do que fora encontrado, esta considerou não ter condições para assumir o encargo. Nessa altura a Câmara Municipal de Silves assumiu a responsabilidade e em agosto, começaram os trabalhos de escavação com a colaboração de alunos dos cursos de Arqueologia e Património da Universidade Nova de Lisboa e da Universidade do Algarve.
As escavações puseram a descoberto um poço, encontrado completamente “entulhado, com material homogéneo, que mostra que foi feito de uma forma premeditada”. No tempo em que era utilizado “conjeturamos que poderia estar associado a uma engrenagem tipo comporta”, adianta Maria José Gonçalves.
Por agora, o objetivo da Câmara de Silves é o de continuar a assegurar o trabalho de escavações e pesquisa, pois, apesar de já ter sido escavado até uma profundidade de mais de uma dezena de metros “ainda não chegámos lá ao fundo”. Numa fase posterior, irá avançar um projeto de musealização que se constitua em mais um local histórico visitável e que reavive a memória sobre a Couraça Islâmica de Silves.