Na última semana de setembro, soaram os alarmes quanto à criação da Área Protegida da Lagoa dos Salgados. Esta deveria ter sido constituída em novembro do ano passado, mas esse anúncio não se concretizou e pareceu ameaçado quando foi tornado público um acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA), de 7 de setembro, que anulou um parecer desfavorável emitido pela Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional- CCDR Algarve. Os juízes consideraram que o ato era nulo porque a decisão não foi comunicada dentro do prazo, “ de 50 dias úteis”.
A notícia foi avançada pelo jornal Público, que dizia também que a CCDR Algarve justificava este atraso com o facto de ter enviado pelo menos dois ofícios ao Instituto de Conservação da Natureza e Florestas (datados de 9 e 21 de maio de 1998), “aos quais não foi dada resposta” em tempo útil.
Temeu-se então que a referida decisão do STA abrisse as portas para a construção do mega empreendimento turístico que a empresa Finalgarve (Grupo Millenium/BCP) pretende construir, com três unidades hoteleiras, seis aldeamentos turísticos e um campo de golfe de 18 buracos. O plano estende-se por uma área de 359 hectares, entre a ribeira de Alcantarilha e o sapal de Pêra-Alcantarilha, tendo no limite sul o cordão dunar da Praia Grande.
A concretização deste projeto colide com a intenção de criar a Área Protegida da Lagoa dos Salgados, anunciada em dezembro de 2021. Na altura, quer o ICNF, quer o então ministro do Ambiente, Pedro Matos Fernandes, destacavam esta importante passo, concretizado após muitas reivindicações de associações ambientalistas. Estas, por sua vez, lembravam a importância desta zona natural, na qual estão referenciadas mais de 200 espécies de avifauna, anfíbios e plantas raras, com destaque para a “Linaria algarviana”, espécie endémica do Sul de Portugal, que goza do astuto de “proteção rigorosa” pelas leis nacional e comunitária.
Associações dizem que não coloca em causa
Entretanto, 10 Organizações Não-Governamentais de Ambiente (ONGA) regionais e nacionais que apoiaram a criação da Área Protegida divulgaram a sua posição: “É lamentável que a CCDR Algarve tenha falhado um prazo num processo desta natureza e importância, mas não se trata de um entrave significativo à criação da futura Reserva Natural da Lagoa dos Salgados”, disse Domingos Leitão, diretor Executivo da SPEA.
Para estas associações a decisão do STA “não põe em causa a criação de uma Reserva Natural naquele local, tal como proposta pelo ICNF e largamente apoiada por diversos sectores da sociedade civil”.
No entanto, acrescentam, “deixa o futuro deste importante ecossistema nas mãos da CCDR Algarve” porque “reconhece que a decisão de desconformidade (segundo a qual o plano de construção não cumpre as salvaguardas ambientais obrigatórias) foi emitida pela CCDR Algarve já fora do prazo legal”, mas “deixa a porta aberta para que a CCDR Algarve possa vir a proceder à revogação ou à alteração dessa Decisão sobre a Conformidade Ambiental do Projeto de Execução (DCAPE), desde que fundamente e cumpra os preceitos legais”.
Perante esta situação, esperam “que a CCDR-Algarve dê início, sem demoras, a um processo de revogação ou de alteração da DCAPE tacitamente favorável, fundamentada no interesse público da proteção das espécies ameaçadas” .
Por último, as ONGA lembram que existe um processo que corre no Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé desde 2014, para anular o Plano de Pormenor da Praia Grande.
“Se a CCDR-Algarve não fizer o seu trabalho e a Câmara Municipal de Silves permitir o início dos trabalhos, as ONGA estão prontas para colocar uma Providência Cautelar para evitar que os trabalhos tenham início, e se criem factos consumados e danos irreparáveis contra o superior interesse público e da conservação da natureza”, concluem.

CCDR Algarve esclarece
Também a CCDR Algarve divulgou um comunicado, afirmando que “ importa clarificar que em litigância está a emissão de uma Decisão de Conformidade Ambiental do Projeto de Execução (DCAPE) de sentido “não conforme” em 13/07/2018”, devido à exigência de proteção da Linaria Algarviana.
“Aproveita-se a oportunidade para referir que desde a decisão de “não conformidade” emitida em 2017, o proponente apresentou diversos relatórios das prospeções efetuadas sobre a distribuição da Linaria algarviana os quais confirmaram a existência da ocorrência desta espécie no local.
Em 20 de janeiro de 2022, foram apresentados novos Relatórios de Conformidade Ambiental do Projeto de Execução (RECAPE), relativo ao Projeto de Infraestruturas e do Hotel da UE 1 do PP da Praia Grande tendo sido emitidas Decisão de Conformidade Ambiental do Projeto de Execução (DCAPE) de sentido “não conforme” em 07/06/2022”, acrescenta a CCDR Algarve.
Esclarecimento da Câmara Municipal de Silves
Sobre este assunto, o Terra Ruiva solicitou um comentário ao Município de Silves, que nos foi enviado, com o seguinte teor:
“É de lamentar a falta de rigor jornalístico presente na notícia publicada sobre este assunto pelo jornal “O Público”, no passado dia 21 de Setembro de 2023, e que em nada contribui para o cabal esclarecimento do processo em questão junto da opinião pública. Por norma, o Município de Silves não toma posição pública sobre processos judiciais nos quais não é parte, muito embora tenhamos tido acesso ao acórdão do Supremo Tribunal Administrativo. Da análise do mesmo, apenas podemos confirmar, desde já, que não foi dado total razão à autora, que a decisão proferida não constitui um ponto final, nem uma decisão impositiva da execução do projeto imobiliário da autora, e que subsistem várias nuances, bem como outros processos administrativos e judiciais em aberto, que podem inverter o que foi recentemente decidido pelo Supremo Tribunal Administrativo, tendo em conta as exigências que se colocam, nomeadamente através da Directiva Habitats, à qual o Estado Português se encontra vinculado, na proteção da espécie “Linaria Algarviana”, que detém a categoria de risco de extinção em Portugal de “quase ameaçada”, segundo os critérios da União Internacional para a Conservação da Natureza. O executivo municipal permanente revê-se na intenção do Estado em criar uma área protegida de âmbito nacional neste território, que consubstanciará a futura Reserva Natural da Lagoa dos Salgados.”
Ministro diz que será “muito difícil” o avanço do projeto
Entretanto foi também conhecida a posição do ministro do Ambiente que, numa deslocação a Alcoutim, e respondendo aos jornalistas, considerou que será “muito difícil” a concretização do projeto imobiliário junto à Lagoa dos Salgados devido “aos valores naturais que são raros naquele local”.
O ministro Duarte Cordeiro adiantou também que o Ministério do Ambiente estará disponível para negociar com o promotor um acordo no sentido de encontrar outro local para a construção do empreendimento.
Alguma cronologia
– 2007 – A Câmara Municipal de Silves (PSD) apresenta o Plano de Pormenor da Praia Grande que permite a construção de um mega empreendimento turístico. A Assembleia Municipal de Silves aprova.
– 2012/13/14- A Câmara Municipal de Silves discute o loteamento e projetos de obras de urbanização. O Executivo CDU (sem maioria) é desfavorável ao mega projeto, tal como ele se apresenta, mas PS e PSD votam a favor e o processo avança.
2019- O Executivo de Rosa Palma (já com a maioria absoluta) decide suspender o Alvará de Loteamento nº3/2017, até que haja uma Declaração de Conformidade Ambiental.
2021 – Ministério do Ambiente e ICNF anunciam a proposta de criação da Área Protegida da Lagoa dos Salgados.
Boa tarde ainda bem que aprovaram a favor da area protegida da lagoa dos salgados