“Os anos que virão não serão fáceis para Portugal em matéria de gestão hídrica: a disponibilidade hídrica diminuiu cerca de 20% nos últimos 20 anos e a expectativa é que esta tendência se agudize”. Foi com estas palavras que o Sr. Secretário de Estado do Ambiente abriu, no passado mês de junho, um encontro de especialistas que lidam com a distribuição de água em Portugal.
Decorridos os meses de inverno, primavera e chegados ao verão, a chuva – esse fenómeno meteorológico cada vez mais raro no outrora reino dos Algarves, que ocorre via precipitação da água em gotas – não caiu em quantidade suficiente para debelar a falta de água e, no domínio rural e da agricultura, o cenário é desolador. A agricultura de sequeiro (dependente da água da chuva) mirrou e está perdida enquanto que a agricultura de regadio consome a água que escasseia embora gere emprego e ajude a fixar população nos territórios. A inflação, a guerra na Ucrânia e a seca tiveram como resultado o aumento muito significativo dos custos das rações, da palha e do feno para os animais. Uma situação incomportável economicamente e trágica para muitos agricultores que subsistem destas actividades.
O stress hídrico coloca o país numa situação delicada e de insegurança alimentar, pois obriga a recorrer ao exterior para satisfazer as necessidades em matéria de alimentação, o que por conseguinte também agrava a balança comercial.
Num momento em que o verão está no início e em que no período que o precedeu as temperaturas registadas já foram mais elevadas do que em anos anteriores, com ondas de calor em meses inesperados, acrescem as preocupações. Ventos muito fortes aceleram a evaporação da água nos solos e o mato seca. Como não há humidade, qualquer ignição poderá facilmente provocar um incêndio com todas as consequências que vimos no passado. Está tudo ligado. Se a água é vida, o seu contrário também é verdade. A seca é claramente a morte.
Perante o agravamento do cenário, o Governo decidiu tomar medidas. Por um lado, foi imposto na barragem de Odeleite uma redução da quota de água para uso agrícola e golfe na ordem dos 20%, com possibilidade de chegar aos 50% para o caso dos campos de golfe que disponham de sistemas de reutilização de água. Foi também anunciada a criação de um grupo de trabalho dedicado ao Algarve – querem lá ver que Lisboa se deu conta de que existimos? – para rever os títulos que foram atribuídos para captação de água, e é imposta uma redução de 15% do consumo de água de massas subterrâneas. Por outro, os planos para a dessalinizadora, uma das medidas constantes no Plano de Eficiência Hídrica do Algarve financiado pelo Programa de Recuperação e Resiliência (PRR), também foram revistos, passando de uma capacidade de um décimo das necessidades de consumo urbano da região para um terço da água necessária para as cidades algarvias só que dificilmente estará pronta antes do final de 2026.
O Plano de Eficiência Hídrica do Algarve contempla não apenas potenciais soluções para reforçar a oferta de água na região como a captação de água no rio Guadiana, a construção de uma barragem na ribeira da Foupana, no sotavento algarvio, ou o aproveitamento de águas residuais tratadas mas também refere medidas para a gestão eficiente da água prevenindo perdas e gastos supérfluos através da reabilitação das redes, da instalação de pontos de monitorização dos recursos hídricos e controlo para detecção de perdas, entre outras. A data de conclusão prevista para o Plano de Eficiência Hídrica do Algarve é “até março de 2026” e, quando falta menos de 3 anos para o final do prazo, regista uma percentagem de conclusão de 9,2%. Há muito por fazer e pouco tempo para o fazer.
Em paralelo com as medidas anunciadas pelo Governo, os Municípios da região comprometeram-se com a redução do consumo público de água nos jardins, o encerramento antecipado de piscinas municipais, com exceção das piscinas nos territórios do interior algarvio (como a de Paderne e a de Silves que continuarão abertas), assim como com a redução de lavagens de rua e a eliminação de lavagem de equipamentos, exceto a lavagem de contentores de higiene urbana. A meta é não ultrapassar o consumo de água registado no Algarve no melhor ano turístico registado na região, o de 2019, sendo que entretanto foi lançada uma campanha de sensibilização para a importância de poupar água, um recurso vital.
No passado, o país conseguiu uma enorme mudança de paradigma no que à disponibilização e distribuição da água diz respeito. Não obstante o progresso realizado, é necessário acelerar o ritmo de execução e concretização dos planos e projectos para colocar o país e a região em particular numa posição bem mais confortável do que aquela que se encontra actualmente. Só assim conseguiremos enfrentar os desafios vindouros com outro alento.