O testamento de Geraldo Pais, Deão de Silves (1318) (conclusão)

(conclusão)

Na publicação anterior, foram analisadas algumas disposições do testamento de Geraldo Pais que, pela sua raridade, constituem um importante contributo para o conhecimento de Silves Medieval.

Neste artigo, alargamos a análise a outros aspectos que, sendo de âmbito regional e mais geral, importam ao contexto histórico da sede da diocese e capital do reino do Algarve.

Igreja de Santa Maria de Porches

A carta de doação do castelo de Porches por D. Afonso III, em Fevereiro de 1250, ao seu chanceler D. Estêvão Eanes, incluía a doação do direito de padroado da igreja ou igrejas a edificar. O foral de Porches, outorgado por D. Dinis, em 20 de Agosto de 1286, foi em boa parte decalcado do foral de Silves de 1266 e não informa sobre a igreja, mas é de supor que já estivesse edificada e fosse do padroado régio, pois é nessa condição que surge num documento datado de 28 de Abril de 1289, em que D. Dinis apresenta Miguel Pires, escrivão de Loulé, como prior de Santa Maria de Porches à confirmação do bispo de Silves (TT, Gav. 19-4-3, fl. 9v.).

O testamento de Geraldo Pais vem confirmar a existência da antiga igreja de Santa Maria de Porches: “Item mando que dêem a Santa Maria de Porches uma savã (sabana, lençol) e vinte soldos para lavrarem (bordarem) em ela alguma cousa para frontal (de altar)”.

Após esta notícia de 1318, há um longo hiato documental e a primeira igreja de Porches só reaparece, com o nome de Nossa Senhora de Porches, em documentos de meados do séc. XVI (Tombo do Almoxarifado de Silves, 1553; carta do capitão Pedro Silva à rainha D. Catarina, 14 de Junho de1559). O documento de 1559 precisa a localização da igreja no sítio onde foi levantada a fortaleza de Nossa Senhora da Rocha. Esta designação irá substituir a de Nossa Senhora de Porches, ainda coexistindo as duas cerca de 1600 “a fortaleza que tem dentro a igreja de Nossa Senhora de Porches ou da Rocha”(Henrique Sarrão, História do Reino do Algarve).

Entretanto, nas primeiras décadas do século XVI, é edificada uma nova igreja num lugar mais afastado do litoral a que se chamou Porches Novo, por oposição a Porches Velho, núcleo populacional primitivo progressivamente abandonado, a ponto de não subsistirem vestígios medievais evidentes, caso do citado “castelo de Porches”.

Hospital dos Meninos de Loulé

A menção mais antiga conhecida de um hospital medieval em Loulé data de 1410 e consta de um livro existente no Arquivo Municipal (Livro dos Órfãos, 1408-1412, Liv. 1, fl. 12v), referência essa que só nos permite saber da sua localização na praça da vila, perto de uma fonte. Depois, em 1471, temos notícia da fundação do hospital de Nossa Senhora dos Pobres, sem que os documentos nos possibilitem estabelecer relação com a notícia anterior.

O testamento do deão de Silves, em 1318, vem informar-nos da existência de um “hospital dos meninos”: “Item, ao hospital dos meninos de Loulé 40 soldos”. Os hospitais de meninos inocentes, pobres, órfãos e enjeitados, foram criados nos séculos XIII e XIV em algumas cidades e vilas (por ex. Lisboa, Santarém) para assistência á infância desvalida, pelo que a notícia de um desses hospitais em Loulé assume particular interesse e significado.

Hospital medieval

Convento de S. Francisco de Loulé

Apesar de não serem conhecidos documentos sobre o convento de S. Francisco anteriores a 1408, o investigador João Miguel Simões tinha deduzido que a fundação do cenóbio franciscano teria ocorrido em meados do séc. XIII (cf. O Convento da Graça…, 2008, p. 19-23) e, recentemente, Jorge Palma apontou para a edificação do convento por volta de 1330. O testamento de Geraldo Pais corrobora a certeza da presença da comunidade franciscana no início do século XIV: “Item aos frades menores desse lugar três libras para pescado que digam uma missa oficiada por minha alma”.

Convento de S. Francisco de Tavira

Tal como para Loulé, não se pode precisar a data de fundação do convento, sendo de supor que tenha acontecido na mesma altura. A dotação testamentária foi idêntica: “Item aos frades de Tavira três libras que digam uma missa oficiada por minha alma”

Igrejas, Conventos e instituições de assistência, de Lisboa

Da extensa relação de doações no testamento do deão de Silves, destacamos as que foram feitas a instituições religiosas de Lisboa:

“Item mando aos Frades Pregadores de Lisboa cinco libras e se lhes prouguer (= aprazer) digam uma missa oficiada por minha alma. Item aos Frades Menores de Lisboa cinco libras e digam uma missa oficiada por minha alma. Item às donas de Chelas três libras para pescado. Item a frei Lourenço Soares de São Lourenço três libras. Item a frei Afonso de Santa Marinha três libras. Item a frei João da Veiga quarenta soldos. Item à obra da Trindade de Lisboa trinta soldos. Item a Santa Bárbara de Lisboa um morabitino. Item à confraria dos mercadores de São Francisco de Lisboa quatro libras. Item ao hospital de São Vicente de Lisboa vinte soldos. Item para a obra da Sé de Lisboa quarenta soldos. Item a Roncesvales vinte soldos. Item para tirar (= resgatar) cativos de Portugal dez libras”.

 

Romarias, Peregrinações

Têm muito interesse as referências às romarias e peregrinações mais comuns nesse início do séc. XIV e também o hábito de pagar a peregrinos de substituição.

“Item mando que filhem uma arroba de cera e façam uma imagem e ponham-na em São Geraldo de Braga e aquele que a levar vá em romaria e faça por mim uma missa e meta meia libra de cera em candeias e comprem-lhe seu afã (= trabalho) aquele que lá for.

Item mando que vá um homem por mim a Santa Maria de Rocamador e vá por Santa Maria de Vila Sirga e por Santiago e por São Vicente[…] e faça cantar em cada uma destas igrejas senhas (= várias) missas por minha alma e meta em candeias senhas meias libras de cera em cada igreja”.

A terminar

Não cabendo no âmbito deste breve artigo a análise detalhada de todo o testamento de Geraldo Pais, deixamos o convite para a sua leitura integral (disponível online), em “TestamentaEcclesiaePortugaliae (1071-1325), pp. 384-391.

 

 

 

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Um Comentário

  1. Leio com interesse o vosso jornal.
    Felicito o trabalho do professor vargas

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