A 10 de abril de 1933, os armacenenses viam satisfeita uma velha aspiração, o «Diário do Governo» publicou o decreto de elevação da aldeia a sede de freguesia. No contexto nacional aquele dia encerrou ainda uma outra particularidade, foi o último dia da «Ditadura Militar», dado que a 11 de abril entrou em vigor a Constituição de 1933, e com ela iniciava-se o Estado Novo.
Os armacenenses vinham a mobilizar-se com vista à sua autonomia pelo menos desde 1926. A 16 de dezembro daquele ano apresentaram, na sessão da Câmara de Silves, um abaixo assinado, pedindo a criação de uma freguesia com sede naquela aldeia, com a consequente separação da freguesia de Alcantarilha. No ano seguinte, Pedro Mascarenhas Júdice, no periódico «Folha de Alte», na edição de 15 de setembro de 1927, sobre Armação de Pêra escrevia: «tem condições de vida própria independentemente das suas condições de praia de banhos; é uma das mais importantes povoações do concelho de Silves». Dispunha de uma empresa de pesca, de fábricas de conserva de peixe, casino, médico e estação de correios. Além disso, a praia era das mais frequentadas da região, «principalmente pelos habitantes do concelho de Silves e Alentejo».
Nos anos seguintes é através de Mário Lyster Franco, correspondente do «Diário de Notícias», que as pretensões dos armacenenses são repetidamente elencadas naquele diário lisboeta.
A 14 de fevereiro de 1930, a convite da Comissão de Iniciativa de Armação de Pêra, foi a povoação visitada por várias personalidades, entre as quais José Martinho Simões, diretor geral da Administração Política e Civil e secretário-geral do Ministério do Interior, acompanhado por João Pereira Matos Cruz e José Martins Ribeiro, chefes da mesma repartição, que propositadamente se deslocaram de Lisboa. Integraram a comitiva o governador civil de Faro, tenente Matias de Freitas, secretário-geral do Governo Civil, José António dos Santos, e o jornalista Mário Lyster Franco.
O objetivo era inteirarem-se in loco da «justiça que assiste este lugar do concelho de Silves, que quer ser feito sede de freguesia». A receção e estadia dos convidados foi largamente difundida na edição de 20 de fevereiro do «Diário de Notícias», pela pena de Lyster Franco: «À entrada da povoação aglomerava-se imenso povo. Mal foram avistados os automóveis, queimaram-se muitos foguetes, exteriorizando-se a satisfação de todos os habitantes nos mais pequenos detalhes. Satisfação pelo honroso da visita e pela esperança de que em breve Armação de Pêra veria satisfeita a sua maior e mais antiga aspiração – ser freguesia».
A comitiva percorreu depois e de forma pausada as ruas da povoação. Esta encontrava-se engalanada, pendendo de alguns prédios colchas de seda. À passagem dos convidados «ouviam-se estrondosas salvas de palmas e muitos “vivas”. E, assim, por entre uma verdadeira chuva de flores, que das janelas eram lançadas sobre os visitantes, estes percorreram parte de Armação de Pêra, merecendo-lhes particular atenção o chamado Bairro do Casino e o edifício das escolas primárias». Após um breve passeio pela praia, teve lugar um banquete[1], na casa da professora Maria do Céu Graça, que terminou com vários discursos. O último orador foi o Dr. Martinho Simões, que disse «ter verificado toda a justiça que assistia à pretensão de Armação de Pêra, pretensão que teria nele um acérrimo defensor, e que, certamente, seria tornada um facto, quando se promulgasse o novo Código Administrativo. (…) Às palavras do sr. dr. Martinho Simões seguiu-se uma estrondosa salva de palmas».
Findo o banquete, os visitantes dirigiram-se para os seus automóveis, tendo, no «momento da partida, sido levantados muitos “vivas” à futura freguesia de Armação de Pêra».
O convite da Comissão de Iniciativa de Armação de Pêra às entidades e o apoio dos armacenenses durante a visita à aldeia revestiu-se num retumbante sucesso.
Cerca de um mês depois, a 29 de março de 1930, Lyster Franco voltava a lembrar no «Diário de Notícias» as reivindicações de Armação: «dá gosto pôr em relevo os seus desejos ardentes, gritar novamente aos poderes públicos a justiça que lhe assiste, a razão de que disfruta uma terra que, neste século de ambições desmedidas, quer ser, sede de freguesia e nada mais!…». Fundamentando de seguida: «com mais de 700 fogos, uma população aproximada de 4000 habitantes, repartida por inúmeras ruas, num amontoado de casaria que deixa a perder de vista quasi todas as sedes de freguesia rurais da nossa província, a pitoresca povoação do concelho de Silves, tem razão incontestável naquilo que solicita». Após alvitrar os limites territoriais para a futura freguesia, que se encontrava, na sua opinião, «naturalmente demarcada, dentro daqueles dois quilómetros quadrados, que têm por limites o mar, a ponte do Calvário, a Ribeira de Pera e o Barranco do Vale do Olival», pelo que «ninguém levantaria impedimentos, ninguém ergueria uma voz que soasse discordante», Mário Lyster Franco rematava sobre a pretensão: «desejo que é uma verdadeira aspiração, que é mais que uma aspiração, é um sagrado ideal!…».
Nos meses subsequentes novas notícias pugnaram sistematicamente pela ascensão de Armação de Pêra a sede de freguesia. Finalmente, a 10 de abril de 1933, e muito antes da publicação do novo Código Administrativo, o Decreto n.º 22:430 consignava o desejo dos armacenenses:
«Atendendo ao que representaram os habitantes da povoação de Armação de Pera, da freguesia de Alcantarilha, concelho de Silves, distrito de Faro, no sentido de ser a mesma povoação desanexada da freguesia a que pertence e passar a constituir uma outra freguesia;
Tendo em vista o número de habitantes da mencionada povoação, que ascende a 1:500;
Considerando que a referida povoação é uma excelente praia de banhos, muito frequentada, e um importante centro piscatório:
Tendo em vista a informação favorável do governador civil de Faro;
(…) Hei por bem decretar, para valer como lei, o seguinte:
Artigo 1.º É desanexada da freguesia de Alcantarilha, concelho de Silves, distrito de Faro, a povoação de Armação de Pera e alguns casais próximos.
Artigo 2.º Com sede na povoação de Armação de Pera é criada a freguesia do mesmo nome, assim delimitada (…).
Artigo 3.º Fica revogada a legislação em contrário. (…)».
O acontecimento foi recebido na aldeia com regozijo, como noticiou o «Diário de Notícias», na edição de 13 de abril: «Armação de Pêra, 11 – Hoje, pelas 10 horas chegou a notícia da criação da freguesia, com sede nesta localidade, o que provocou grande júbilo, tendo subido ao ar algumas girândolas de foguetes».
Mas se o processo para a criação da freguesia havia sido moroso, a sua materialização não seria mais célere. Mário Lyster Franco havia vaticinado que os seus limites territoriais estavam naturalmente demarcados, contudo, não teve o mesmo entendimento a Câmara de Lagoa. Esta viria, pouco depois, protestar, alegando terem sido atribuídas à nova freguesia «grande número de prédios rústicos e alguns casais da freguesia de Porches», daquele concelho, e nem a visita do governador civil, em setembro de 1933, com vista à resolução do conflito, acalmou os ânimos. Em 24 de maio seguinte eram nomeadas duas comissões, uma pela Câmara de Silves, outra pela de Lagoa, todavia em 1935 a contenda ainda se arrastava. Pese embora esta contrariedade, os armacenenses haviam finalmente realizado o seu sonho. O seu esforço e bairrismo, a que não foi alheio o apoio do Dr. Mário Lyster Franco/ «Diário de Notícias», surtira efeito e Armação de Pêra era agora sede de freguesia.
Noventa anos depois podem os armacenences orgulhar-se da determinação dos seus antepassados, ainda que só muito recentemente a sua Junta de Freguesia usufrua de instalações condignas.
[1] Nos lugares de honra sentaram-se o Dr. Martinho Simões, tenente Matias de Freitas (governador civil), ladeados por Matos Cruz Martins Ribeiro, Dr. Francisco Prudêncio, e Dr. Lyster Franco. Os restantes lugares foram ocupados por Dr. José António dos Santos (secretário geral do Governo Civil e armacenense), Luciano Pereira, Henrique Gomes, tenente Heitor Patrício, Gregório Nunes Mascarenhas, João de Mira, Francisco Fernandes Pereira, José Simão da Silva, José Patrício dos Santos, José Delfino Leote, Eurico dos Santos Patrício, Joaquim Quirino Parrinha, José Guerreiro Lapa, José Mendonça Felício, António Joaquim Gonçalves Barão e José Gonçalves.