Sem perdão

Num destes dias friorentos, o país, este onde uma enorme fatia da população não tem capacidade económica para aquecer a sua habitação, desviaram-se as atenções para o grande acontecimento do verão, a Jornada Mundial da Juventude e a vinda do Papa a Portugal.

E para os custos da organização – que deixaram literalmente em estado de choque a maioria dos portugueses.

Vendo o país alertado para a situação, iniciou-se a operação de cosmética  lançando para o ar uns números do que se supõe ser o retorno económico gerado pela jornada.  E a promessa do aproveitamento posterior de algumas estruturas que agora serão criadas…

Todos os portugueses com mais de vinte e cinco anos já ouviram uma conversa igualzinha, por altura da Expo 98. Milhões em investimentos, oh, sim, mas haverá o retorno e muitas das estruturas ficarão permanentes, para usufruto da cidade e dos cidadãos. Sim. E viu-se!… Acabada a Expo, o super Pavilhão Atlântico, acabou vendido a Luís Montez, genro de Cavaco Silva, num negócio que foi investigado pelo Ministério Público. Um equipamento que custou ao Estado cerca de 50 milhões de euros foi vendido por 21,2 milhões, durante o governo PSD-CDS, em 2012, sem concurso público, mas através de “negociação particular”, com “dinheiro obtido através do BES”, como foi notícia na altura.

E o emblemático Pavilhão de Portugal, com a famosíssima “pala”, construída pelo arquiteto Siza Vieira e que foi classificada “uma das dez melhores estruturas de betão do Mundo” ficou encerrado durante anos, sem qualquer aproveitamento, sendo lugar de eleição de pessoas sem abrigo, até 2015. Nesse ano foi entregue, pelo Estado,  à Universidade de Lisboa, para aí ser feito um pólo de ciência e cultura. Em 2021 começaram obras de requalificação orçadas em mais de 10 milhões de euros.

Ouvimos a mesma argumentação quando se tratou de fazer uma candidatura megalómana à organização do Euro 2004. O movimento nunca visto de bandeiras portuguesas à janela, não impediu o amargo de boca que se seguiu, e não falo da derrota frente à Grécia…. Divulgadas as contas finais, soube-se que os contribuintes portugueses investiram 665 milhões em 10 estádios de futebol que mal se estrearam, antes de encerrarem as portas… Na região do Algarve, o Estádio Faro – Loulé custou 66 milhões. E quando o Euro 2004 terminou, o que ficou foi um encargo para as câmaras municipais de Loulé e de Faro, de 3,6 milhões anuais.

Quanto ao retorno, como sabemos…. foi apenas uma miragem…  Pelo contrário, ainda hoje, as autarquias de Faro e de Loulé, bem como várias outras nos municípios que receberam o Euro 2004, continuam a pagar a divida contraída na altura…. e irão fazê-lo até 2030!!!

Eis porque, quando oiço falar em estimativas de retorno e muitos milhões, sinto a mais profunda desconfiança. Retorno? Quanto? Para quem?

Pensando nas regras básicas da investigação: se há crime, a primeira pergunta a fazer é: – quem lucra? E a última : – qual vai ser a punição?

Embora seja fácil comungarmos com a indignação generalizada, a questão central não deve passar desapercebida – quem planeou assim, quem autorizou? Neste país onde todos os arguidos se sentem de “consciência tranquila” haja, de uma vez por todas, uma opinião pública que não se fique só pela crucificação em praça pública mas que exija, de uma forma responsável, coerente e consequente, a punição devida.

Como vi no que considerei o melhor cartoon, a propósito desta polémica,  mostrando o Papa Francisco junto ao famigerado palco dos 5 milhões, dizendo “ Não lhes perdoai, Pai, que eles sabem o que fazem!”…

 

 

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