Quanto vale a construção

O sector da construção é, provavelmente, o mais relevante para a economia da região, a seguir ao turismo. Um percurso de dependência entre os dois sectores, construído por mestres e serventes pedreiros, artesãos e aprendizes, carpinteiros e serralheiros que trabalharam uma vida inteira de forma a sobreviver num território onde a mobilidade social e o desenvolvimento urbano assumem diferentes condições daquelas que verificamos em outras áreas metropolitanas do pais ao longo dos últimos 50 anos.

A construção e o turismo no Algarve, apesar da enorme expectativa dos consecutivos executivos políticos e produção académica, nunca deixaram de representar uma economia de sobrevivência, um negócio que fornece segurança financeira a empresas, colaboradores e famílias. Durante os últimos setenta anos, ambos os sectores colocaram o negócio e as pessoas como prioridade perante a destruição dos valores naturais e ambientais “da serra ao mar”.

As obras na Praia da Marinha e nas Alagoas Brancas, ambas no município de Lagoa, são hoje territórios onde este conflito se manifesta. Na praia, a recente construção de estruturas pesadas em betão, sob a falésia natural, coloca em risco a qualidade de uma paisagem natural que, durante os últimos vinte anos, serviu de ‘cartaz publicitário’ para atrair novos turistas. Na depressão cársica de Lagoa (zona húmida que se estende desde a falha de Ferragudo à cabeceira da Ribeira de Alcantarilha) iniciaram-se recentemente os trabalhos de urbanização de um loteamento que poderá incluir no futuro novas superfícies comerciais junto aos supermercados Aldi, Pingo Doce e Apolónia e onde o município de Lagoa irá construir os novos campos de relva sintética do GDL e expandir o recinto da FATACIL.

A obra teve inicio no passado dia 12 de Outubro e começou por drenar a zona húmida, conhecida por Alagoas Brancas, identificada por diversas organizações ambientais nacionais e internacionais como um dos maiores tesouros da avifauna no barlavento algarvio, juntamente com a Lagoa dos Salgados e as bacias hidrográficas das ribeiras de Alcantarilha e Bensafrim, o Arade e a Ria de Alvor. O projecto, há muito criticado pela comunidade local, na sua maioria um grupo de mães e cidadãs estrangeiras residentes no concelho, preocupadas em garantir um futuro mais resiliente para a cidade, tem sido amplamente noticiado pelos meios de comunicação social nacional devido ao impacto sobre a fauna e flora. A construção agora em curso veio precipitar o desaparecimento no local de espécimes de Mauremys leprosa, e diversos répteis e vertebrados protegidos sob a convenção de Berna. No dia 30 de Outubro, o PAN apresentou queixa junto do Ministério Público para travar o projecto.

Neste context, o que entendemos por sustentabilidade é a pergunta que todos devemos colocar, eventualmente pela primeira vez, aos sectores da construção e turismo na região, mas também aos projectistas e aos políticos, aos mestres e serventes pedreiros, carpinteiros e serralheiros, apesar do valor económico e social de todas estas empreitadas. Não podemos falar d esustentabilidade, sem discutir as transformações que se antecipam e que colocam aos sectores do turismo e construção o desafio de mediar múltiplas agendas (destino turístico e preservação dos valores ambientais, construído e não construído, público e privado, litoral e interior). É um desafio que estabelece na ‘obra construída’ o potencial de: encontrar um modelo próprio de desenvolvimento sustentável, com capacidade para atrair uma nova ideia de relação entre homem e natureza, trabalho e lazer; do interior ao litoral. Um desafio que não se reduz à aplicação de sistemas passivos, à eficiência energética ou ao uso de bio ou eco materiais e técnicas de construção. Insisto, que, para lá da construção enquanto actividade económica e mecanismo de resposta à procura e à oferta, sustentabilidade na construção é também contrariar as assimetrias culturais e políticas presentes no território proporcionando a definição de novos modelos de gestão e ordenamento conscientes e responsáveis.

A acelerada transformação do espaço natural de concelhos como Lagoa e Silves durante os últimos 30 anos e ausência de discussão relativamente ao impacto da construção e salvaguarda do ambiente é urgente e deve reconhecer: a diversidade geográfica e a dinâmica policêntrica do território, a velocidade e a disponibilidade de deslocação dos indivíduos, a volatilidade da propriedade e o uso do solo enquanto mecanismos de produção de recursos económicos e não de gestão da biodiversidade e do bem comum. Estas, e outras, são condicionantes em relação ás quais não podemos continuar alheios  se queremos discutir o que é construção e turismo sustentável no Algarve e em Portugal. Os responsáveis pelos sectores devem reagir, intervir e colaborar. É urgente reconhecer entre os pares da construção, do turismo e da política na região o significado de boas práticas ambientais e sociais.

 

 

 

 

 

 

 

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