Bairro do Progresso

Fui assistir a uma conferência na Biblioteca Municipal sobre as Operações SAAL no Algarve, como o título Cidade Participada: Arquitetura e Democracia. Esta palestra decorreu da publicação de um livro, sobre o referido projeto, em que existe um capítulo sobre o Bairro da Associação Progresso em Silves. É curioso ler um escrito, na perspetiva da arquitetura, sobre uma casa e um bairro em que viveste alguns anos. Ainda por cima, quando um outro capítulo relata o Bairro 25 de Abril, na Meia Praia, em Lagos. Deste último existe associada a lendária música de José Afonso, Os Índios da Meia Praia. A canção relata que «Eram mulheres e crianças/Cada um com o seu tijolo» e, segundo parece, nestas operações SAAL, as mulheres assumiram um papel decisivo.

Os oradores assumiram uma postura de desilusão contida pela não concretização integral dos referidos projetos arquitetónicos. Contudo, nenhum dos oradores, pela postura e funções sociais reveladas, viveu num bairro social construído ao gosto dos moradores. Este desencanto manifestado não se adequa ao sentimento dos habitantes do Bairro do Progresso, os quais vivenciaram um significativo salto qualitativo em relação à comodidade das suas anteriores habitações. As famosas rampas são o que diferencia este complexo urbanístico de outros projetos e o que remete para opções arquitetónicas engajadas em diversos conjuntos residenciais pela Europa ao longo do século XX.

Não tenho significativas memórias sobre os anos iniciais da vivência no Bairro, pois nós fomos viver para lá em julho de setenta e nove e eu fui para Coimbra em janeiro de oitenta e dois. Portanto, vivi em permanência apenas dois anos e meio, nestes primeiros tempos. Mas recordo que os futuros habitantes trabalharam na construção do seu próprio Bairro, como relata a canção, e que o processo não foi linear, nomeadamente por impedimentos e alterações de natureza política. Para desbloquearmos a indecisão política existiu pelo menos uma manifestação das operações SAAL em Lisboa.

Talvez tenha sido a primeira vez que fui a Lisboa. Eu e o meu pai fomos à manifestação. Após um dia de visitas a Lisboa e percurso pelas avenidas, o meu cansaço era de tal monta que adormeci durante o jantar. Deixei-me dormir em cima do prato da comida, em casa da família em que pernoitamos nessa noite antes do regresso a Silves.

A memória partilhada por toda uma geração foi relatada no evento, a provisória ligação elétrica que originava uma regularidade de quebra de eletricidade nas nossas casas. Lá se ia a novela.

Foram muitos anos de resistência, mas o importante é sempre resistir.

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