“… cada região distingue-se do deserto por representar um imenso repositório de trabalho… Esta terra não é, portanto, uma obra da natureza; é obra de nossas mãos, a nossa pátria artificial”.
Com esforço, pompa e circunstância, comunicamos a importância de integrar um Geoparque (o Algarvensis). No entanto, a vila de Messines parece continuar a acreditar no manifesto do filósofo de Milão, Carlo Cattaneo(1801-69) proferido durante a insurgência revolucionária de trabalhadores, artesãos e estudantes, e parcialmente transcrito supra. Hoje, cada vez mais conscientes da importância do equilíbrio ético e moral entre comunidade e natureza, e com a distância para olhar o impacto dos últimos loteamentos na base do Penedo Grande e o ‘fiasco’ de um ‘museu da tradição’, surge uma superfície comercial para ‘embelezar’ a entrada na vila.
Com um ‘mercado’ em re-construção e outro em construção, estas serão as primeiras grandes intervenções planeadas e desenhadas no tecido urbano da vila depois da desastrosa transformação do bloco da fábrica da Amêndoa. Em comum, a última obra, os loteamentos e o novo ‘mercado’, contribuem para o progressivo desequilíbrio entre o povoamento urbano e as principais características naturais deste território que o projecto do novo Geoparque pretende inverter.
O conhecido arquitecto italiano Aldo Rossi (1931-1997) escreveu há mais de cinquenta anos, numa das obras mais relevantes para muitos dos arquitectos que hoje elaboram estes projectos, “A Arquitectura da Cidade”. Rossi repete Cattaneo, e assume a hipótese da cidade como objeto feito pelo homem reivindicando uma alternativa à abordagem puramente técnica do planeamento, que outrora teve uma agenda ambiental que hoje parece sumida entre geógrafos, engenheiros e ‘dinheiros’. A cidade de Rossi celebra a construção expontânea das ‘ruas de cima’ e o valor artístico dos edifícios, novos e velhos como a casa do Visconde de Messines ou a ‘Casa Grande’, a que chama de artefactos urbanos. Infelizmente, sem que Rossi pudesse rebater em vida, toda uma geração de promotores, arquitectos e politicos acreditaram que bastava à vila de Messines a arquitectura do desenvolvimento económico. No entanto, Rossi estava interessado não só em entender as forças vivas da cidade que servem argumentos e decisões na casa do visconde ou nos pomares da casa grande, mas também a sua natureza, como são aplicadas e como causam mudanças.
O problema do novo edificado, ou da intervenção no antigo, em Messines não é o da aprovação do vereador nem o do PDM que não colocou qualquer obstáculo à construção de um pavilhão comercial na entrada da vila. Mas sim o julgamento que todos fazemos à denominada estética e enquadramento paisagístico destes novos, e renovados, artefactos urbanos. Aos arquitectos ‘em prática’ num mercado liberal o desafio que se coloca, e que Rossi tinha já proposto, é o de entender e compreender os fundamentos do seu campo de trabalho para além da contratação de serviços e das vontades de quem os contrata. Não podemos continuar centrados numa ideia de precedente adquirido/edificado, estética de inovação empresarial e desenvolvimento da economia de sobrevivência. A todos os envolvidos neste processo de transformação negligente devemos exigir que sejam clarificadas técnicas, condições de avaliação, e preparação de trabalhos, nomeadamente a divulgação de estudos preliminares, com a consciência e exposição do impacto da construção e das mudanças que dali resultarão. No caso concreto do novo ‘mercado’ ou ‘pavilhão comercial’, e das intervenções no antigo ‘mercado’ e casa do visconde, ambos convertidos em fracções de renda controlada, os maus precedentes não deveriam sobrepor-se à maior consciência presente do valor natural e paisagístico da vista. Nem à importância maior da identidade histórica e cultural de verdadeiros artefactos urbanos como o mercado municipal e casa do visconde.