O fisco, se não entrar pela porta entrará pela janela (ou até por uma simples fresta)

Nesta coluna da edição de novembro de 2020 do Terra Ruiva já se escreveu a propósito da Lei nº13/2016, lei esta que, supostamente, como então se aludiu, pretendeu proteger a casa de morada de família dos devedores fiscais, designadamente, proibindo o fisco de promover a respetiva venda executiva para se fazer pagar da dívida, nos casos em que esse imóvel constitua efetivamente a habitação própria e permanente do devedor. Também se referiu na ocasião a coerência dessa proibição com a função social do Estado de proteção e promoção do direito fundamental à habitação dos seus cidadãos, direito esse até então absolutamente menosprezado em razão de meras dívidas fiscais.

Todavia, também se concluiu que esse desiderato subjacente à citada lei, era puramente ilusório, porquanto, na prática, com resultados meramente residuais.

Com efeito, adiantou-se, desde logo porquanto uma dívida fiscal não se extingue pelo facto de em processo de execução fiscal o único bem penhorável do devedor ser a casa onde tem a sua habitação própria e permanente, pois, a dívida só se extingue pelo pagamento, naturalmente, ou ainda se, entretanto, tiver decorrido o prazo de prescrição, porém, uma vez que o processo de execução fiscal fica suspenso até que porventura sejam encontrados outros bens do devedor, suspenso igualmente – e automaticamente – fica o prazo de prescrição, isto é, não fica a correr, e daí esta hipótese da prescrição ser apenas teórica.

Por outro lado, conclui-se no mesmo texto de 2020, basta o fisco aguardar algum tempo que essa casa de morada de família acabará mesmo por ser vendida, uma vez que, quem deve ao fisco tendencialmente também terá outras dívidas (civis), porquanto em geral a prioridade, devido às gravosas consequências de natureza criminal inerentes às dívidas fiscais, é a de estas, por isso, serem pagas em prejuízo das dívidas civis, e, por consequência, culminando os credores civis, para se procurarem pagar, por instaurar processo de execução comum onde penhoram bens do devedor, e nomeadamente, se a houver, a sua casa de morada de família, e sendo que, nesse processo, o fisco pode intervir reclamando o pagamento do seu crédito, e, designadamente,  por via da venda dessa casa! Isto é, o que não conseguiu por via do processo de execução fiscal, consegui-lo-á aproveitando-se do processo de execução comum instaurado por um qualquer credor comum!

E daqui se alcançando, como então se alertou, que o fisco, não entrando pela porta, acabará por entrar pela janela.

Mas mais (e é aqui o ponto do presente texto), nem precisa de janela, basta-lhe uma simples fresta para conseguir entrar. Como seguidamente de demonstrará.

Com efeito, num caso em que precisamente aconteceu o que em novembro de 2020 nesta coluna se preconizava- o fisco aproveitar-se de processo de execução  comum instaurado por um outro qualquer credor -, em recentíssimo acórdão (24-03-2022) o Tribunal da Relação de Lisboa decidiu que, ainda que nesse processo o devedor chegue a acordo com o credor para pagamento da sua dívida civil em prestações, logo implicando, necessariamente, nos termos processuais, a suspensão do processo até cumprimento total do pagamento dessas prestações, todavia, isso não impedia o prosseguimento do processo da venda da casa de morada de família para o fisco se pagar, uma vez que, “o objetivo do legislador da Lei 13/2016, foi o de impedir a venda da casa de morada de família apenas no âmbito dos processos de execução fiscal”!

Isto é, muito embora o processo de execução comum tenha ficado suspenso em resultado do acordo de pagamento celebrado entre o devedor e o credor civil, todavia, essa suspensão ao fisco não se aplica, para se puder pagar com o produto da venda da casa de morada de família.

Ou seja, o que o fisco não alcançaria no âmbito de um processo de execução fiscal, alcançará no âmbito de um processo de execução civil ou comum! Como que o “parasitando”. E nem sequer tendo que se sujeitar à suspensão da marcha desse processo. Por outras palavras, basta uma fresta, e o fisco será imparável.

De tal maneira incompreensível essa decisão da Relação que um dos juízes do coletivo votou contra, o que possibilitará, acredita-se, que em provável recurso para o Supremo, este sufrague os seus argumentos ora vencidos, nomeadamente, que “a habitação própria e permanente do executado não pode ser vendida para satisfazer os créditos fiscais, mas pode-o ser para satisfazer os créditos comuns. A solução contrária (permitir que uma execução comum seja impulsionada por um credor público(fisco)) conduz ao absurdo de permitir que “o fisco”, apesar de não poder prosseguir a execução fiscal para evitar que os executados fiquem sem a casa por dívidas a entidades públicas, já possa impulsionar uma execução comum que conduz ao mesmo resultado. Não pode ser. Assim, se o credor comum da execução comum está a ser pago e, por isso, não impulsiona a execução, o credor público não a poderá impulsionar.

Poderá, se houver impulso do credor comum, aproveitar-se dele para não ser prejudicado, mas não poderá ser ele – fisco – a fazer com que a habitação própria e permanente do executado seja vendida.”

Em suma, quão ilusória é mesmo a lei em apreço.

 

 

Veja Também

Horóscopo Semanal, por Maria Helena

3ª semana / março Carneiro Horóscopo Diário Ligue já! 761 101 801 Carta Dominante: o …

Deixe uma resposta

O seu endereço de email não será publicado.