“Vizinhos do Mar”, a obra de Julião Quintinha, uma das figuras mais ilustres de Silves, foi reeditada pelo seu centenário, pela Associação de Estudos e Defesa do Património Histórico-Cultural do Concelho de Silves.
A obra foi apresentada no dia 9 de abril, na Casa da Cultura, com a presença de João Vasco Reis, responsável pela compilação dos textos, Nuno Campos Inácio, responsável da editora Arandis e Luísa Conduto Luís, vice-presidente da Câmara de Silves, entidade que apoiou a publicação.
No local, a Associação de Defesa do Património, que em 2020 celebrou 40 anos de uma frutuosa existência, apresentou uma exposição, lembrando o seu papel pioneiro quando foi criada, em 1980, organizando concertos, jornadas temáticas e editando o boletim “O Mirante” que em breve voltará a ser publicado, como foi anunciado.
Coube a João Vasco Reis fazer a apresentação da obra de Julião Quintinha, que “foi considerada uma das obras primas da literatura do seu tempo”, sendo um “livro de novelas, com episódios e histórias da alma algarvia”. Quanto ao seu autor, que “fez parte de uma geração que fez muito por Silves”, foi apresentado como “um pensador de futuro” e “um dos vultos mais altos da nossa literatura e do jornalismo” mas que “acabou esquecido” na sua própria cidade natal. Situação que a Associação pretende corrigir com a reedição desta e de outras obras de Julião Quintinha, cumprindo assim um desejo antigo de dar a conhecer aos silvenses este seu ilustre conterrâneo, pelo que “está em preparação a reedição de Terras do Fogo”, em 2023, se for possível.
Para a reedição de “Vizinhos do Mar”, João Vasco Reis explicou que os critérios seguiram “o mais fiel possível a obra original” na sua 3ª edição, de 1929, incluindo 19 novelas. Foram recriadas as capas originais, da autoria do famoso pintor silvense Bernardo Marques, por Leonor Reis. No final foi acrescentado um apêndice e críticas literárias à obra.
Julião Quintinha
Entre os nomes que, no século XX, se destacaram em Silves, o de Julião Quintinha é, indubitavelmente, um dos maiores, E, principalmente, entre os “esquecidos”. Fez parte de uma geração duradoura onde, através do jornalismo, da investigação, da intervenção cívica, da crónica, da ficção, e não só, pertenceu ao grupo de alguns, poucos, que no seu labor fizeram muito por Silves e pelo Algarve, no pensamento, na cultura – na literatura e nas artes em geral – na comunicação social em particular, mas também no sindicalismo e mesmo na política.
Julião Quintinha nasceu em Silves, no dia 19 de Dezembro de 1885. E em Silves iniciou a sua vida profissional, segundo uns como jovem operário, de acordo com outros como aprendiz de alfaiate. Mas muito cedo começou a mostrar os seus dotes no campo de jornalismo, tanto assim que em 1908 iniciou a sua colaboração no Notícias de Silves. Em 1910 juntamente com Henrique Martins fundou o jornal silvense Alma Algarvia, órgão de comunicação de grande relevo – e ousadia – à época. A partir daí, e durante décadas, escreveu em jornais e revistas sedeadas no concelho de Silves e noutros, como foram os casos de Chelb, O Messinense, O Povo de Silves, Vibração, A Rajada, Actividades do Concelho de Silves, Notícias do Algarve, Folha de Alte e Voz do Sul.
Apaixonado pelo seu Algarve e quantas vezes revoltado com o desprezo com que a Província era tratada no panorama político nacional, não deixou de tornar públicas as suas preocupações.
Homem de pensamento, amante das artes, activo na sociedade, na cultura e na política, fez teatro, reorganizou as comissões políticas locais do Partido Republicano Português, foi administrador dos concelhos de Silves e Portimão entre 1912 e 1914, foi chefe da Secretaria da Câmara Municipal de Silves entre 1914 e 1920.
No alvor da década de vinte, tendo sido nomeado inspector da Companhia de Seguros Latina, em Lisboa, deixou o Algarve. Em Lisboa ingressou no jornalismo profissional. Foi editor da revista Seara Nova e subchefe de redacção do jornal República; fundou, com Pinto Quartim, o Actualidades; escreveu e colaborou em jornais como o ABC, Diário da Tarde, Diário do Alentejo, Diário Liberal, Diário Popular, Diabo, Revista Contemporânea, Cultura, Europa, Ilustração Portuguesa, Jornal da Europa, Mala da Europa, Novela, Revista, Turismo e O Século. Colaborou ainda em jornais de Moçambique e do Brasil.
Foi presidente e director do Sindicato dos Profissionais da Imprensa de Lisboa e da sua Caixa de Previdência.
Incansável escritor, em diversas áreas, nomeadamente como ficcionista, repórter, cronista e investigador, teve o elogio dos mais conceituados críticos da época. Entre ensaios, teses, estudos literários, novelas, romances, crónicas de viagem, reportagens, teatro, estudos biográficos, divulgação histórica e cultura, legou-nos um vastíssimo património literário e cultural. Julião Quintinha faleceu em Lisboa no dia 24 de Julho de 1968 depois de uma vida dedicada à imprensa, à literatura, à cultura e à sociedade.
(Biografia de João Vasco Reis (adaptada))