A guerra muda tudo

Apesar da proliferação de informação, da internet, de uma ciência avançada como nunca, caminhamos para um certo obscurantismo. A negação dos factos e a da ciência são sintomas de uma doença profunda.Talvez pela primeira vez da história seguimos conscientemente e por nossa própria vontade, para uma época de mais ignorância e muito pior nível de vida. E depois temos uma série de eventos com impactos globais, que exigiam uma sociedade do conhecimento com capacidade de resposta.

Estas perturbações globais têm definitivamente demonstrado o quão dependentes estamos uns dos outros. A pandemia, que teve os impactos que sabemos e já foi abundantemente discutida, e agora a Guerra criminosa da Rússia contra o povo soberano e independente da Ucrânia. Os impactos deste conflito, desnecessário e fruto de uma ambição imperial desatualizada, repercutem-se pelo mundo inteiro: vemos os preços dos combustíveis e da energia em geral subir. Depois veremos os preços dos bens de primeira necessidade, depois dos outros… A lição que aprendemos aqui é a mesma da pandemia. Estamos todos ligados, o planeta é pequeno.

Mesmo que o conflito no Leste Europeu fique só circunscrito àquela região, e não é certo que fique, os impactos serão imensos. Caso envolva outros países será mesmo catastrófico. Mas que impactos terá no ambiente e na ciência? Como afetará a emergência maior das alterações climáticas? Por muito que os nossos conflitos humanos sejam relevantes para nós, o planeta caminha, a passo acelerado, para uma catástrofe maior. Os impactos não são tão evidentes e imediatos, mas serão implacáveis. Certamente que esta guerra irá obrigar os países a repensar as suas estratégias energética e orçamental.

Falemos primeiro dos orçamentos.

O orçamento de estado de cada país determina as suas prioridades políticas. Quanto se vai gastar e em quê? O recente conflito na Ucrânia obrigou a algumas alterações relevantes nos orçamentos dos países. Até agora Portugal tinha gasto cada vez menos do seu orçamento em defesa (0.96% em 2020), mas o Ministro da Defesa veio já dizer que se iriam aumentar os gastos no sector militar.

Os países europeus pertencentes à NATO (e não só) deverão também aumentar o seu investimento.  A prioridade política dada ao sector da defesa vai aumentar consideravelmente. A União Europeia, que sempre teve muito pouco interesse em ter independência militar, confiava nos EUA, mais dispostos a gastos neste sector e, historicamente, inclinados a defender a Europa por causa da Segunda Guerra Mundial. A presidência Trump demonstrou bem que um presidente americano pode, subitamente, redefinir os seus aliados e perder o interesse na Europa. A Guerra na Ucrânia, por seu lado, mostrou que precisamos de repensar a defesa europeia. A existência de um exército europeu, que sempre achei necessária, impõe-se infelizmente. Outros sectores, como a ciência, educação e saúde sofrerão com estas alterações orçamentais. A Investigação e Desenvolvimento, onde se enquadram as políticas científicas, representam uma pequena parte do orçamento de estado (1.67% se considerarmos fundos comunitários; 0.83% se considerarmos só fundos nacionais). A ciência e a cultura, tradicionalmente parentes pobres orçamentais, poderão ver o seu peso percentual no orçamento limitado.

O segundo aspeto prende-se com a energia. A energia é um sector estratégico, fundamental na definição das políticas de um país. Quais as fontes de energia? Qual a sua origem geográfica? A Rússia é o segundo maior produtor de gás natural a seguir aos EUA e o terceiro maior produtor de petróleo a seguir aos EUA e Arábia Saudita. É, portanto, um gigante energético. A União Europeia, como um todo, está bastante dependente da Rússia: 26.9% do crude importado, 41.1% do gás natural 46.7% de carvão natural provêm da Rússia. E é aqui que poderá haver alguma esperança. Poderemos baixar a dependência energética da Rússia enquanto, ao mesmo tempo, reconvertemos as fontes energéticas para aquelas mais renováveis, com impactos positivos na mitigação das alterações climáticas. A Comissão Europeia apresentou recentemente o plano REPowerEU, de acordo com o qual se pretende eliminar esta dependência energética até 2030. Propõe-se que, até ao fim do ano, a procura de gás russo seja reduzida em dois terços, e se aumentem as fontes renováveis (fotovoltaica e eólica).

A Europa tem de ser energeticamente independente e deve focar-se em fontes renováveis de energia. Não sendo, de todo, um especialista, ainda não estou pronto apoiar a energia nuclear. Veremos se, destes tempos profundamente incertos, depois de uma pandemia e com uma guerra a decorrer na Europa, poderá sair alguma coisa de bom. É difícil ser positivo, mas temos de ter essa força.

 

 

 

 

 

 

 

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