Tratar da saúde

Ao contrário do que possa sugerir o título, este não é um artigo de bem-estar ou de como recuperar a forma física em dez dias após o período festivo. Porém, se há área que precisa de recuperar a forma para proporcionar bem-estar, é a da saúde. Nos últimos dois anos muito se tem falado no Serviço Nacional de Saúde e de como precisa de ser reforçado ou reformulado. A pandemia tornou claro os problemas crónicos que os profissionais da área reiteradamente afirmam: a escassez de recursos (pessoal, material e financeiro) e de organização é evidente, pondo em causa a resposta dada aos utentes com uma agravante: o combate à Covid19 levou ao adiamento de inúmeras consultas, tratamentos e cirurgias, o que exige ainda mais dos profissionais completamente exaustos.

Mais recentemente, assistimos um pouco por todo o país a demissões em bloco nos principais hospitais: o de São João no Porto, o de Santa Maria em Lisboa e ainda nos hospitais de Setúbal e de Vila do Conde, entre outros, sem esquecer o alerta dado em Novembro pelos médicos da urgência pediátrica do Hospital de Faro que há muito tinham esgotado o seu limite, existindo o sério risco do Algarve ficar sem urgências pediátricas públicas devido à escassez de profissionais.

Aliás, do ponto de vista da oferta pública da prestação de cuidados de saúde hospitalares, a região sul do país continua a apresentar sérias lacunas estruturais que tardam em ser corrigidas. Recorde-se que há duas décadas eram dados os primeiros passos para o lançamento de uma nova unidade hospitalar no Algarve, a desenvolver no Parque das Cidades Faro/Loulé, unidade essa que em 2006 constava em segundo lugar na lista de prioridades a nível nacional. Entretanto, outros hospitais vão avançando como por exemplo o de Lisboa Oriental (cerca de 300 milhões € para a construção e manutenção) e o da Madeira (cerca de 350 milhões €, co-financiado a 50% pelo Estado), mas no caso do Algarve o processo arrasta-se por falta de verbas.

Não obstante, o Governo congratula-se com a autorização concedida por Bruxelas para injectar 3,2 mil milhões de euros para salvar a TAP. Ou seja, mais uma vez os nossos impostos são canalizados para salvar uma empresa com a promessa de que será a última vez. Onde é que já ouvimos isto? Por muito que adore viajar, não me sinto extasiado por ser “dono” de uma companhia aérea – nem de um banco – pelo que por curiosidade, quis perceber a quota de mercado da TAP nos aeroportos de Lisboa, Porto e Faro numa tentativa de aumentar o meu ego e auto-confiança claro está. Segundo os dados disponibilizados pela ANAC, no último trimestre de 2019 – quando o vírus Covid19 ainda se encontrava na China e era possível viajar pelo Mundo sem restrições – a TAP apresentava em Lisboa 55% de quota de mercado no número de movimentos e 51% no número de passageiros. No Porto, 28% (movimentos) e 20% (passageiros) e no aeroporto de Faro que, por sinal, serve a principal região turística do país, uns avassaladores 6% (movimentos) e 4% (passageiros)! Repito, são 3,2 mil milhões de euros, ou se preferir, o equivalente a 1/4 do Orçamento da Saúde inscrito no último Orçamento de Estado aprovado (2021) para uma transportadora aérea cuja operação fora de Lisboa fica muito aquém do que seria desejável pelas restantes regiões do país, sobretudo quando se apregoa tanto o título “companhia de bandeira”.

São opções políticas como estas que devem ser alvo de sérias discussões e de análises de custo-benefício bem estruturadas e gizadas, pois o seu impacto é inegável. Qual será o retorno deste investimento na TAP e quanto tempo teremos de esperar? Será que o investimento de 3,2 mil milhões de euros aplicado no SNS, em novos hospitais com tecnologia de ponta, unidades de tratamento novas e complementares, assim como actividades clínicas de excelência e de investigação, possibilitando melhores remunerações para os profissionais – evitando assim o êxodo para os hospitais privados que pagam muito mais -, sem esquecer a contratação de mais médicos de família, não seria mais benéfico para os portugueses? E por falar em privados, num país pequeno como o nosso e cujos recursos são limitados fará sentido mantê-los à margem do SNS por questões de ideologia política?

Por uma fracção dos 3,2 mil milhões de euros seria possível construir um novo Hospital Central do Algarve, uma unidade altamente diferenciada, integrada e complementar aos Hospitais de Faro e de Portimão. Os recursos humanos seriam contratados ao curso de medicina e aos cursos da Escola Superior de Saúde da Universidade do Algarve onde estes profissionais poderiam desenvolver a sua carreira profissional. Estou certo de que faria uma enorme diferença para quem vive e trabalha na região, bem como para quem a visita. Quem sabe se com alguns trocos não seria possível rever também as unidades de cuidados primários de saúde, evitando assim entupir as urgências dos hospitais com situações passíveis de serem tratadas nos centros de saúde? Em tempo de eleições legislativas não peço muito aos nossos futuros governantes: uma vez que os aviões da TAP no aeroporto de Faro são uma raridade, pelo menos reestruturem e melhorem consideravelmente a oferta de saúde na região.

Por ora, a estratégia para tratar (d)a Saúde dos portugueses parece ser diferente. A cura para os males é afinal bem simples: adquirir um bilhete para viajar na TAP e mudar de ares mas não se esqueça de que, muito provavelmente, terá de ir para Lisboa para embarcar. Entretanto partilho convosco a minha primeira sugestão, a apresentar na próxima reunião do conselho de administração da TAP: Exmos/as. Senhores e Senhoras de comunicação e marketing, apresento-vos o futuro slogan da companhia: “Cure os seus males, viaje com a TAP”.

 

 Texto de Fabrice Martins

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