O PIB e os ovos

Há poucos dias, o Instituto Nacional de Estatística disse-nos, com todos os números, que o Algarve registou, em 2020, uma quebra histórica do Produto Interno Bruto (PIB): menos 16,7 por cento! Praticamente o dobro do que se registou a nível nacional: menos 8,4 por cento.

A causa, como todos sabemos, tem a ver com a pandemia provocada pela Covid-19. O problema também o identificamos há muitos anos: temos praticamente todos os ovos no mesmo cesto. Quando as receitas provenientes do turismo reduziram drasticamente, a região quase colapsou. E assim permanecemos, no início de 2022: à beirinha do precipício.

E a minha questão é só uma: e o que aprendemos com esta situação? Olhando à volta, parece-me que nada. Praticamente todos os investimentos que se anunciam para o Algarve, quer na esfera pública quer na privada, têm a ver com o turismo: criar mais oferta, mais atratividade do território, mais concentração no litoral, mais empregos na hotelaria.

Enquanto isto, na única via rodoviária decente que serve o Algarve, pagam-se portagens absurdas e continua adiado para as calendas a construção de um novo hospital… o que talvez faça até sentido pois nem conseguimos médicos para os que já existem…. e nesta, e noutras tristes ironias, nos vamos desgastando, cada vez mais áridos, com os aquíferos ameaçados e as alterações climáticas à vista dos olhos de todos…. E os baixos salários e condições de trabalho precárias nos sectores em que se fundamenta a economia da região, a falta e os preços altíssimos a que se alugam ou vendem as habitações e resumindo toda a situação em poucas palavras: a ausência de perspetivas que nos encaminhem para a mudança!… Nem o início de mais um ano, com eleições à porta, nos parece ter trazido a força anímica de outros anos… resguardados e preocupados olhamos os ovos partidos e não sabemos como consertá-los. Ao lado, outras perspetivas poderiam despontar, mas lê-se que os preços dos terrenos agrícolas dispararam no Algarve, com o negócio dos abacates, que “transformou a região numa das mais caras do país”…

Nesta difícil conjuntura, arriscamo-nos a ser uma espécie de turistas na nossa própria região… mas daqueles que há uns anos eram conhecidos como “turistas de pé descalço”… passamos pelas esplanadas mas não nos sentamos devido aos preços praticados, a viver aqui mas colocados à margem do usufruto de tudo aquilo que atrai os de fora… apenas a servir modelos de desenvolvimento que rapidamente se podem esgotar, ou abrir falência.

Algumas pessoas, com maior dose de otimismo ou de fé, confiam que a anunciada “bazuca” irá finalmente resolver alguns pendentes, superar debilidades, solucionar problemas e milagre dos milagres! encontrar novas soluções para que esta região ofereça aos seus residentes um pouco mais do que sol e praia… Quero crer que isso é possível e que os algarvios são capazes de se mobilizarem para um futuro mais sustentado, assente em várias cestas. Até porque – sejamos realistas… que alternativa temos?

Numa nota quase de rodapé, um comentário sobre o Prémio Literário João de Deus lançado pela Câmara Municipal de Silves. O vencedor da primeira edição já é conhecido, o prémio foi atribuído ao escritor A. M. Pires Cabral, autor de vasta obra e muita premiada, o que é uma garantia do prestígio do prémio instituído, num valor bastante considerável, de 10 mil euros.

Mas sendo este um Prémio que afirma pretender promover produções literárias, lamento que não tenha igualmente uma distinção para a edição de primeiras obras, a que qualquer pessoa pudesse concorrer, ao invés de premiar somente obras já publicadas. Incentivar o aparecimento de novos escritores/poetas e apoiar a edição das suas obras, o que é normalmente a tarefa mais difícil a quem se propõe publicar, parece-me um objetivo igualmente prestigiante. Fica feita a sugestão à Câmara Municipal…

 

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