O direito ao futuro

Para descarbonizar o concelho não chega pensar em baterias, painéis e ventoinhas. A habitação de custo e renda acessível, e a inclusão territorial, são prioridade social do PRR e uma oportunidade para transformar e regular o mercado da especulação imobiliária e reindustrializar a construção civil.

Assumir que a população está cada vez mais concentrada no espaço urbano coloca no futuro de cidades portuguesas como Braga ou Lisboa, a descarbonização como uma prioridade. No entanto, em territórios de grande dispersão demográfica, como o de Silves, a preservação da biodiversidade e inclusão do espaço rural serão provavelmente um contributo de maior relevância, o que parece ser o principal objectivo do Geoparque Algarvensis. Os painéis, ventoinhas e baterias serão insuficientes se não abdicarmos do betão e do alcatrão, plantarmos mais árvores e tratarmos dos rios e ribeiras. Aliás, recentemente foi essa a conclusão a que o Comité de Auditoria para o Ambiente (EAC) no Reino Unido chegou depois do compromisso assumido pelo Primeiro Ministro Inglês de atingir a descarbonização total em 2050. O Comité parlamentar publicou em Março um relatório onde conclui que mais de 80% das habitações existentes por todo o território deverão continuar a existir em 2050. Ou seja, o peso maior está no que existe e não no que está por fazer ou construir.

O PDM e a Estratégia Municipal para a Habitação podem actuar como um catalisador para a inovação e altos níveis de eficiência no uso de recursos no setor de construção e promoção imobiliária.

É evidente, para a maioria, que as ineficiências do sistema atual significam demora no processo de aprovação camarária que tem provocado enormes desigualdades no acesso à habitação e a dependência dos grandes projectos imobiliários que colocam nas mãos da iniciativa privada o critério do impacto ambiental e social do parque edificado. Neste campo, a próxima revisão do PDM de Silves, assim como a Estratégia Municipal para a Habitação, deveram assumir um maior compromisso transformador. A Estratégia Municipal, para além do âmbito do custo e renda acessível, terá de responder às expectativas em torno da descarbonização, reindustrialização e digitalização. Partindo do princípio que o acesso a habitação própria dever ser um direito e não um privilégio. O direito à habitação é um fenômeno que afecta diversas classes sociais e a essencialmente a mobilidade social no concelho, motivo maior das assimetrias entre a Serra e a Praia.

Torna-se assim inevitável começar já hoje a discutir a futura revisão do PDM, os planos estratégicos e políticas territoriais. É importante garantir que o fazemos da forma mais responsável que no passado, não só em prol do ambiente, mas também de forma a assegurar o potencial económico a longo prazo. Silves, como região marcada pela proximidade entre os dois universos, o rural e o urbano, deve assumir-se como um exemplo nacional em políticas da integração e preservação da biodiversidade, proporcionado o reencontro entre estes dois mundos. Para isso é necessário contrariar uma abordagem fragmentada entre políticas, legislação, planeamento, habitação, industria, mobilidade, etc… Uma abordagem que pode ser impeditiva do próprio crescimento económico, nomeadamente a implementação de políticas de reabilitação urbana, com a criação das ARU em todas as vilas e cidade do concelho, que depois são condicionadas pela inércia dos processo de aprovação camarária e pela pouca disponibilidade da construção civil e técnicos projectistas em procurar soluções e técnicas de construção ambientalmente conscientes.

A resiliência de um documento como o PDM de terceira geração deve ultrapassar o estigma da precisão cartográfica do território. O PDM terá de avançar com políticas territoriais que possam libertar os corredores de transição entre o campo e a cidade de limitações e constrangimentos tipológicos, como o entendimento estanque de urbano e rural que vem impedindo a coesão e integração territorial. No âmbito deste PRR o município pode agarrar a oportunidade de libertar a procura de casa da agenda financeira de promotores e construtores, definindo novas práticas e assumindo-se como um acelerador de dinâmicas de inovação territorial.

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