A vida a sério

A vida a sério é assim: séria. É séria a vida de quem labuta diariamente, de quem se senta a fazer contas antes do final do mês e de quem sabe do mundo o que vê. Dizem os números – são a maioria. Dizem os números – são cada vez mais.
Num sítio que até poderia ser noutro planeta, existe uma outra vida. Que se alimenta de pareceres, gabinetes fartos e usa palavras como inverdades. Dizem os números – são uma minoria. Dizem os números – estão cada vez mais abastados.

Estas duas realidades que se cruzam mas não se tocam e a imensa multidão que entre ambas se esgana pela ascensão compõem o caldo a que chamamos sociedade. Nela há, por vezes, indivíduos e ideias que irrompem, como chamas ou fogachos. Lembro-me desta ideia a propósito do aniversário do Terra Ruiva que nesta edição completa 21 anos. Escrevo 21 anos com um sentimento de incredulidade e de alegria. Como é possível que esta fogueira se mantenha acesa há tantos anos?!…

Em 2021, tal como aconteceu no ano passado, a situação de pandemia cinge a comemoração desta data a alguns textos em que falamos sobre o aniversário e lembramos como éramos, há 21 anos atrás, com fotos dessa juventude.
Nestes anos, mudamos nós e a sociedade, mas a essência do Terra Ruiva continuou a mesma. Um jornal assente numa excelente rede de colaboradores que o são de forma totalmente gratuita, alicerçados na sua vontade de contribuir e na crença de que a imprensa local faz falta às comunidades. E que essa necessidade é tanto mais premente quanto maior é a insignificância mediática dessa comunidade…

Há 21 anos os desafios eram diferentes, provavelmente mais simples. Mas um jornal é um jornal, um jornalista é um jornalista, uma notícia é uma notícia, os princípios deontológicos são os princípios deontológicos Em qualquer tempo, em qualquer local do mundo. E é esta a beleza e complexidade desta profissão e deste trabalho de “fazer jornais”.

Há 21 anos foi fácil começar. Quer dizer, existiam muitas dificuldades. Mas havia também aquele entusiasmo que se nos agarra à pele perante o que é novo e excitante. Íamos fazer um jornal! Íamos criar uma voz nova numa terra acomodada e subordinada a uma só realidade. O difícil foi permanecer, “aguentar o barco” enquanto todos os projetos de comunicação social no concelho se extinguiam. Resiliência é talvez a palavra que mais se aplica ao Terra Ruiva. À sua equipa diretiva, aos colaboradores, aos anunciantes que connosco permanecem.

E por que o fazemos? – esta é a pergunta que em abril, em cada aniversário, fazemos a nós próprios. Não sendo pelo dinheiro – que mal chega para as despesas; não sendo pela fama – que alguma que tenhamos não passa do nosso quintal; por que continuamos, mês após mês a lançar a edição em papel, a atualizar diariamente o nosso site e as publicações na rede social? Por que o fazemos ao fim de tantos anos?

Como os leitores sabem que gosto muito de contar histórias, posso responder a essas questões, contando o que me aconteceu, um dia que estava sentada numa esplanada, em Silves. Um grupo ao lado discutia um assunto, não chegavam a acordo, até que um deles apresentou outra versão. Os outros ouviram e questionaram, como sabes que isso é assim? E a resposta: porque li no Terra Ruiva. E essa frase tão simples encerrou a discussão.

Uns julgarão que esta minha história só encerra pretensão, eu digo que só tem a ver com orgulho. Não por sermos infalíveis e perfeitos, mas por fazermos sempre o melhor que nos é possível. E de onde nos vem este sentimento? Eu digo: fomos criados no mundo da vida a sério. Mas a ascensão que procuramos não é a que nos leva individualmente aos gabinetes confortáveis. Queremos a mudança, o progresso, a justiça social. Ainda não se esgotou o nosso propósito, apresentado publicamente em 25 de abril de 2000, numa data tão importante quanto simbólica.

Cumprimos 21 anos. Se a vida a sério nos permitir faremos muitos mais.
Obrigada a todos os que, de alguma forma, nos apoiaram neste percurso, abrindo o futuro.

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