Durante as próximas autárquicas vão passar precisamente 23 anos desde o último referendo em Portugal sobre a regionalização.
Efetivamente, sobre este assunto nada mais se passou de relevante desde o referendo, sendo que Portugal continua a ser um dos países europeus mais centralizados. A ausência de regiões administrativas é uma situação anómala na União Europeia, considerando que todos os Estados Membros com apenas dois níveis de administração (poder nacional e local) são mais pequenos que Portugal. Existem vários países, com menos habitantes, com três níveis de administração (local, regional e nacional). Tendo em conta todos os problemas do país relativamente às assimetrias económicas e sociais entre as várias regiões, a desertificação do interior, e também, o facto de estar previsto na Constituição (desde 1976) a regionalização em Portugal, já se esperavam alguns avanços.
Existem vários argumentos para uma autonomia maior para as entidades já existentes (como Câmaras Municipais, Assembleias Intermunicipais ou CCDRs) e a criação de novas administrações regionais, eleitas pelas populações das respetivas regiões. Um dos mais óbvios será a proximidade destas entidades com as populações locais.
Uma vantagem ainda pouco explorada pela discussão política da regionalização é a descentralização do poder, enquanto motor para um maior interesse e participação política. Não é coincidência que a abstenção nas autárquicas é mais baixa que as legislativas, presidenciais ou europeias. É expectável que o interesse das populações locais seja maior pelos seus próprios desafios locais e pela realidade próxima. Há também um elemento de responsabilização pessoal nos cargos locais e regionais. A política é muito mais pessoal do que partidária ou ideológica, votamos na pessoa. É aqui que entra outro elemento, que é desagregado, mas deveria ser introduzido enquanto reforma do nosso sistema político – os círculos uninominais. Os círculos uninominais estão desligados da regionalização mas têm o mesmo propósito, a aproximação da política com as populações, a descentralização, o foco na responsabilização individual e não partidária. Os círculos uninominais, tal como a regionalização, dão uma cara à política.
Regionalizar é dar autonomia e mais responsabilização às administrações regionais. Mas que responsabilidades são essas? É aqui que a discussão se deve centrar, principalmente, no sentido da melhor alocação possível dos recursos. Sou um confesso adepto do sistema americano, que é um sistema federalizado. Alguns países europeus como a Alemanha são federalizados, sendo um estado avançado da regionalização. Os governos regionais (ou estatais) têm uma grande autonomia legislativa, podendo legislar sobre tudo o que não esteja reservado ao governo central, como a política externa, a defesa, a política monetária ou o comércio externo. Não será necessário atingirmos esse estado, mas podemos replicar algumas das suas boas ideias. A maioria destas boas ideias envolve autonomia, responsabilização e coresponsabilização dentro de várias áreas.
Existem alguns consensos entre os decisores autarcas na atribuição da gestão, por exemplo, nas áreas sociais, da cultura e do desporto. Mas também se discutem outros não tão consensuais, como a rede escolar, o turismo, os fundos europeus, o ambiente e as florestas. O caminho será consagrar estas responsabilizações nas novas administrações regionais e ainda incluir outras, que todos os anos são causa de enorme disputa, como é o caso da saúde. As populações locais devem ter algo a dizer em relação a decisões que afetam diretamente as suas vidas. A saúde deve estar incluída no leque de responsabilizações (ou coresponsabilizações), e temos o exemplo de Silves e as dificuldades que teve nos últimos anos para atrair médicos para os seus centros de saúde no concelho.
Outro ponto fulcral será o investimento e a internacionalização. A atração de investimento é um instrumento de diminuição das assimetrias económicas. Numa economia global, investimento e internacionalização devem estar interligadas, sendo que municípios e regiões devem competir no palco global. A criação de ambientes regionais amigos do investimento não deve estar centrada na legislação do governo central, sendo que as administrações regionais e as Câmaras Municipais devem possuir mais ferramentas do que algumas taxas municipais. Fundos regionais, criação de hubs empresariais ou o investimento regional em I&D são algumas das políticas que podem ser implementadas. No caso da internacionalização, os protocolos das cidades irmãs podem ser transformados em acordos reais de investimento, comércio e intercâmbio de professores, alunos ou outros profissionais. Tudo pode ser mais facilmente coordenado quando existe um planeamento estratégico regional pragmático. Silves e o Algarve, podem ter muito a ganhar com mais poder decisório.
Existe a possibilidade de falhanço e desperdício quando falamos na criação de novos organismos públicos. É nossa responsabilidade alocar os recursos e ser claros na legislação quanto aos objetivos e poderes das novas administrações regionais. Estamos em Portugal, temos maus exemplos, todavia a regionalização é uma grande oportunidade para resolver os problemas estruturais do país e não só de Lisboa. É esse o objetivo e não mais “jobs for the boys”.