Este será muito provavelmente o pior verão das nossas vidas coletivas e quiçá individuais. Presos a uma realidade que não antevimos, somos confrontados com limitações e receios causados por um mundo que mudou drasticamente sem que saibamos até quanto. E até quando.
Por várias décadas, algarvios bem avisados, como o empresário messinense Vítor Neto, alertaram os poderes políticos, empresariais e os cidadãos para o perigo do Algarve se encontrar cada vez mais dependente do turismo, atividade económica sujeita “a modas” e extremamente influenciada por fatores externos e situações internacionais que não controlamos. Não se pode por todos os ovos no mesmo cesto, disse e repetiu o ex-secretário de Estado do Turismo. E a maior parte das pessoas concordou/concordava/concorda. Ainda assim… é o que sabemos.
Nesta altura, o Algarve é a região do país que regista o maior aumento no número de desempregados, ( 200%), sempre a crescer nos últimos meses.
Estamos encurralados. E nessa situação, queremos as hordas, as invasões. Queremos trabalho, o emprego, o sustento. Mas não queremos cumprir aquele dito popular que nos avisa que por vezes não se morre da doença mas pode-se morrer da cura. Estamos encurralados.
E enquanto nos debatemos com esta questão começa o verão e acontece um fenómeno característico da época. Por escassos meses do ano a comunicação social nacional presta atenção ao Algarve. Corrigindo: faz capas com as praias do Algarve. Interrogando-se se a região estará preparada para receber as hordas que costumam invadir o território.
A minha opinião: nem pensar nisso!
A principal razão: temos um Serviço Nacional de Saúde débil, incapaz de dar resposta aos que cá estão todo o ano e que, invariavelmente, mesmo na situação dita normal, sucumbe todos os verões ao peso extra dos visitantes. No contexto da pandemia a afluência de milhares de turistas à região irá colocar uma pressão sobre o SNS impossível de resolver… E dos muitos privados que florescem na região, nem vale a pena falar que já vimos como se posicionaram e fecharam portas à pandemia e aos doentes…
Sem os turistas, estrangeiros e nacionais, o que fará a região para sobreviver? Nos dias em que escrevo este texto, o Reino Unido mantém Portugal na lista dos países proscritos, e confirmou o encerramento dos corredores aéreos. E a tendência do turista nacional parece estar mais virada para o interior do país, procurando evitar as grandes aglomerações de pessoas que o litoral e as praias sempre proporcionam.
Numa região poupada pela pandemia as opiniões e as emoções dos habitantes locais oscilam entre “venham eles!” e “fiquem em casa!”.
Imaginamos já as longas filas nos supermercados, as esplanadas esgotadas, os restaurantes apinhados, os areais disputados, os estacionamentos caóticos, as ruas com grupos de gente até às tantas da madrugada, os convívios sem controle… e finalmente as esperas intermináveis nos serviços de saúde.
E imaginamos as esplanadas vazias, os restaurantes com metade da clientela, lugares vagos nos estacionamentos, as ruas desertas, as pessoas que nem vê-las, os becos sem sons… e o desespero, o desemprego, as dificuldades financeiras, a agonia de vários sectores, a incerteza a ser vivida por toda uma região. (E também as esperas intermináveis nos serviços de saúde…)
O verão de 2020 ficará na memória de todos nós como um tempo de incerteza, em que só temos garantido o receio pelos próximos tempos… Cito apenas um número ouvido na última sessão da Assembleia Municipal de Silves: este ano, as receitas de entradas no Castelo de Silves irão diminuir cerca de 600 mil euros!
Urge portanto uma política comunitária, nacional, regional e local que identifique os principais sectores de atividade e populações em dificuldade, políticas concertadas e justas. Conceder incentivos e apoios a grandes empresas que não pagam os seus impostos em Portugal, por exemplo, é inconcebível. Reforçar o SNS como a única garantia da nossa saúde é outra medida mais do que urgente, primordial. E depois vir por aí fora e olhar para as empresas, para as famílias, para as associações e coletividades, estas últimas tão esquecidas e tantas delas a passarem por grandes dificuldades sem poderem exercer as suas atividades normais…
Não, este não será um verão normal. Eu diria que será o verão do nosso descontentamento, a lembrar essa grande obra “ O Inverno do nosso descontentamento”, do escritor e jornalista John Steinbeck.