Sou biólogo. O meu trabalho incide sobre os impactos que as alterações climáticas e de habitat têm sobre a biodiversidade. Não sou minimamente místico, não sou crente, nada! Não me parece que seja particularmente útil o discurso de que “a Terra nos está a enviar uma mensagem”. Não é a Terra que fala connosco. É a realidade! As coisas são como são e as condições que permitem que a nossa espécie exista confortavelmente dependem de um equilíbrio ténue, que pode ser perturbado. Contra o pragmatismo da economia, que infelizmente tem prevalecido, devemos contrapor o pragmatismo da ciência. Não se conteve o problema na China, logo no início, para se proteger a economia. Pois bem, a economia está um caos. Viramo-nos agora, tarde demais, para a ciência em procura de soluções.
Para a situação que vivemos actualmente contribuíram dois factores:
Desde a Revolução Industrial, e particularmente no último século, temos destruído habitats naturais a uma taxa sem precedentes. Libertamos para a atmosfera subprodutos das nossas actividades, nomeadamente dióxido de carbono, que alteram o clima. Os cientistas têm avisado que a destruição de habitats naturais constitui uma verdadeira ameaça e que a emergência climática é real. Ambas, perda de habitat e alterações climáticas, afectam biodiversidade e humanos.
Para a situação que vivemos actualmente contribuíram dois factores essenciais: o consumo e comércio de animais selvagens e a destruição de habitats. Este tipo de doenças, designadas por zoonoses, cruzaram a barreira das espécies, tendo origem em espécies selvagens sendo posteriormente transmitidas para seres humanos. A proximidade crescente que existe entre humanos e espécies selvagens vem aumentar o risco, como demonstrou um estudo realizado em 2008. De acordo com os autores, entre 1940 e 2004, 60% das doenças infecciosas identificadas são zoonoses tendo a maioria origem em espécies selvagens. O que se passa agora não é necessariamente novidade na comunidade científica. Já em 2007 cientistas chineses e de outras nacionalidades avisaram de que a China era uma “bomba relógio” no que respeita aos coronavírus: havia o potencial de acontecer uma pandemia.
O comércio e consumo de animais selvagens e a destruição de habitats aumentam a proximidade entre seres humanos e espécies selvagens, facilitando o “salto” entre espécies. No entanto isto não é desculpa para agir contra as espécies selvagens como se tem visto recentemente, com pessoas a matar morcegos indiscriminadamente. A fauna selvagem não tem culpa, nós, enquanto espécie, sim.
Isto é motivo, isso sim, para repensarmos o nosso papel, nomeadamente a destruição de habitats e o comércio e consumo de espécies selvagens.
Os coronavírus não são novidade, são velhos conhecidos. Há diversas estirpes, sendo algumas constipações comuns, por exemplo, causadas por coronavírus. Este nem é o primeiro caso de um surto causado por um vírus deste tipo, mas é o primeiro que tem proporções globais. Entre 2002 e 2003 a síndrome respiratória aguda (causada pelo coronavírus SARS-CoV) e em 2012 a síndrome respiratória do Médio Oriente (causada pelo coronavírus MERS-CoV) são dois exemplos, mas estes surtos foram confinados geograficamente. Este vírus, que nos obriga a estar fechados em casa, é o SARS-Cov-2, “parente” dos dois anteriores. Mas temos de confiar no trabalho diário de cientistas que tentam encontrar uma vacina. Neste momento há dezenas de equipas a trabalhar, mas penso que teremos de esperar entre 1 a 2 anos (a menos que a urgência da situação apresse o trabalho).
Esta crise tem origem num desequilíbrio. O nosso planeta, a única casa que conhecemos, tem um equilíbrio delicado. Dependemos desse equilíbrio, porque é este que nos permite existir em condições que nos são confortáveis. A espécie humana está, de modo altamente inconsciente, a interferir nos equilíbrios do planeta porque dá o estado actual por garantido. Sabemos agora, devido ao SARS-Cov-2, que nada é garantido. A vida pode mudar em consequência das nossas acções e num curto espaço de tempo.
Para além dos tempos de incerteza que vivemos podem vir tempos de esperança, de um começar de novo. Podemos relegar a economia para o lugar que lhe é devido e dar importância ao ambiente e às pessoas. Porque, não se deixam enganar, nós dependemos da Terra, ela não depende de nós. Não vamos pensar que a terra nos “diz” algo. É a realidade que vivemos que nos deve fazer pensar.
Texto e Imagem: Frederico Mestre
Excelente artigo e reflexão. Alertando para o desequilíbrio e destruição da biodiversidade e as implicações virais. Possamos nós aprender a lição, passado o medo da pandemia.