Bruno Leal, Doutor em História, é um jovem luso-francês, professor na Universidade de la Rochelle-França. Em 2004 publicou a tese sobre a Inquisição no reino do Algarve, 1630- 1750. Um estudo raro na nossa História político-religiosa, que foi editado, em apoio, pelo Centro Cultural- Calouste Gulbenkian. Bruno veio ao Algarve para o seu fim: Estudar a Inquisição no Algarve. Visitou, desde o Arquivo do Paço Episcopal de Faro, Anais do Município de Faro, livros sobre a temática de pouco conteúdo, numa busca “escondida” pelos séculos, no que teve de informativo, nessa necessidade para concluir o seu longo estudo de 595 páginas, até nas dificuldades de algumas negativas, pelo velho clero algarvio, no tempo actual. Um estudo sobre os dois séculos: XVII e XVIII, em que a Inquisição se pretendia brutal, em restos da ocupação castelhana.
Vamos ao princípio. Pressionado por Castela, o rei de Portugal Manuel I, pede a Roma, aos papas dos tempos, que autorize a Inquisição no reino de Portugal e de suas conquistas, sobretudo o Brasil. Mas a Inquisição demora. Só se estabelece em Portugal, com o rei João III, sobre pressão do imperador Carlos V (seu cunhado), do grande império da Áustria e herdeiro da coroa Castelhana. A 20 de Setembro de 1540, cedências papais não autorizadas, desde os papas Clemente VII a Paulo III, chegam finalmente ao reino de Portugal. O Algarve não teve a “categoria”, felizmente, em estabelecer-se um Tribunal da Inquisição: Os difíceis acessos: mar e montanhas. Impedimento à circulação do tempo. Via marítima insegura pelos ataques dos corsários, ausências prolongadas dos bispos e outras razões ou situações eclesiásticas.
Estudando todo o Processo inquisitorial, nesse terror “sacro” que Lisboa, Évora, Coimbra, Porto viviam: em procissões de Fé e de torturas de fogos, a Diocese de Faro, estava, poder-se-á dizer, vacante. Ao menos só ia recebendo visitas de representantes das autoridades religiosas, centrais. Nessas situações o Algarve ia escapando. Por tal, Bruno encontrou certas dificuldades “in loco”, conforme o seu trabalho explica, nessas dificuldades fechadas das paróquias algarvias. Mas o jovem doutor tem sorte no apoio que o Bispo do Algarve, Manuel Madureira Dias lhe deu, abrindo as portas, em ordens às paroquias algarvias, no início do século XXI. Nessa tarefa de busca em memórias documentadas, Bruno queixa-se que alguns velhos sacerdotes recusam essas “visitas”. Trocam-se palavras vazias. Mas nem tudo esteve perdido. Bruno encontra, em Faro, documentos de castigos de amores contrariados e proibidos, em que mais sofriam as mulheres que os homens em desterros, prisões e multas. Algumas sentenças de torturas, nada comparável aos tribunais centrais.
Pelo Barlavento, sacerdotes e autoridades encobriam-se, nessa proximidade de localidade. Pelo reino do Algarve não consta que tivesse atingido o grau maléfico desses centros instituídos, como Lisboa, sobre as outras localidades, como Coimbra, Porto ou Évora, instituídos com rigorosos tribunais. Um certo capitão algarvio, de nome Pires de Varga, quando é visitado para responder a um inquérito, na sua obrigação de autoridade, responde : “Aqui todos vivem como bons Cristãos”. A resposta foi servindo aos poderosos da Autoridade da Inquisição.
No entanto, o estudioso luso francês vai percorrendo a informação, que alguns leigos deixaram escrita, como Frei João de S. José- Tavira- século XVI; Henrique Fernandes Serrão, século XVII, João Baptista Silva Lopes – Lagos, início do século XIX . Mas sem importância de casos maiores, que não se conhecem em autos de fé, pelas terras algarvias
Em Portugal, no antigo regime, as visitas pastorais eram conduzidas pelas paróquias, pelo bispado ou seus representantes. Mas nessas, nem sempre os seus representantes tinham um comportamento secreto. Algumas denúncias, mesmo entre famílias, aconteceram. Temos o caso da Catarina de Belém, residente em Faro, mulher “rica” em beleza, casada com homem do mar, viajante em comércio de longa duração. Mulher que se apaixona pelo conhecido escultor Manuel Martins, homem solteiro, artista de arte sacra, que hoje se admira pela cidade de Faro. Tudo se inicia em amores proibidos no ano de 1705 e que se vão mantendo em segredo.
Cremos que os amores de Catarina e de Manuel foi a denúncia mais marcante no tempo, feita por um irmão do escultor. Em 1711, nova denúncia aos amores proibidos. Catarina é feita prisioneira e mandada para fora do reino algarvio, enquanto o Mestre das artes sacras ficou impune.
Um exemplo de sexos contrários. Somente consta da ligação sexual de dois jovens clérigos. Sem consequências graves. Quanto ficou no incógnito…
Façamos uma breve tradução do estudo do professor Bruno: “No Portugal do Anterior Regime, as visitas pastorais feitas nas Paróquias pelos bispos ou seus representantes, (na sua maioria dos casos representantes, no que consta o Algarve, pelas ausências bispais), comportavam-se habitualmente, num voto de disciplina de envergadura variável, no qual os visitantes procuravam descobrir através de mecanismos de “délation”. Os eventuais pecadores públicos, sistematicamente, afim de reprimir todo o comportamento ilícito, trocando palavras de localidade. “
A “Mitra e o Báculo”, que concerne nas visitas pastorais e a procura dos “pecadores públicos” na Diocese do Algarve – 1630-1750. Lemos a novidade da matéria, nas suas 595 páginas. Em que acrescento, que, a partir do ano de 1711, o bispo António Pereira da Silva percorre algumas localidades próximas. Pouco ou nada o bispo encontrou. Visitas isoladas pelas vias serranas, como S. Brás de Alportel. Temos os papas Urbano VIII a Bento XIV, e os reis de Portugal, Pedro II e José I. Foi um período muito trágico para Portugal, no século XVII para o século XVIII, até ao reinado de José I, orientado pelo seu ministro, Sebastião José de Carvalho e Melo, o futuro marquês de Pombal, que servira, como embaixador, na Inglaterra e Áustria. Uma vez ministro do rei José I, de Portugal, orientaria a tese de “ Origem Infecta da Relação da Moral”- Anno 1771, em que extingue-se a Inquisição, em Portugal.
Os governantes do absolutismo que se seguem à morte do rei José I, 1777, caminham a um retorno mais “macio”, ainda jesuítico. No entanto, seria com o rei João VI, que se inicia o fim do absolutismo em Portugal, em guerra civil. Tivemos como figura máxima do antigo regime o algarvio de Estômbar, José Joaquim de Sousa Reis- Remexido. Figura trágica do meio século XIX português.