Entrevista a Aurélio Nuno Cabrita “Gosto de olhar para uma casa e questionar-me por que é assim”

“A história é a ciência ao inverso” afirma Aurélio Nuno Cabrita e talvez esta ideia explique como é que um engenheiro do ambiente, de 41 anos, que gosta do que faz, se dedique profundamente à história local e regional.
A sua obra mais recente, um avultado volume de cerca de 500 páginas, dedicada à freguesia de São Bartolomeu de Messines impressiona, não só pelo seu conteúdo, mas também pelo trabalho “insano” que foi necessário para construir este livro de referência. À volta deste travou-se esta conversa, que passa por Messines, Silves e Algarve. E também pela justiça, ou a sua ausência.

Aurélio Nuno Cabrita

É formado em Engenharia do Ambiente e trabalha nessa área, mas no Mestrado desviou-se para a História. Como é que isso aconteceu?
Eu sempre gostei de Letras, mas tinha uma grande dificuldade em línguas e no 9º ano uma professora aconselhou-me a ir para a área de Ciências e assim fiz. Depois entrei na Universidade, em Faro, em Engenharia do Ambiente. E curiosamente, foi por causa de um trabalho para o curso, que me apercebi da importância da imprensa local para a história. Fui com uns colegas para Peniche e tínhamos de recolher uma série de informação que só um jornal poderia ter. O jornal era “A Voz do Mar”, não sei se ainda existe, e o diretor recebeu-nos e estivemos um dia inteiro, a folhear o jornal todo, à procura de notícias. E foi nessa altura que fiquei com a pulga atrás da orelha, sobre a importância dos jornais.
E então relacionou a Ciência com a História e a imprensa….
Quando o Terra Ruiva surgiu, em 2000, e fui convidado para escrever, já tinha muito material em casa. Isto porque quando estava na universidade, tinha a tarde de sexta-feira livre e ia para o Arquivo Distrital de Faro. Comecei por fazer a minha árvore genealógica, só depois é que me fui apercebendo do fundo que existia no Arquivo e iniciei a investigação.
Direcionada para a história de Messines?
Sim. Eu só comecei a alargar a investigação para o Algarve em 2004, quando comecei a escrever para o “barlavento”. Na altura, consultei o “Correio do Sul” que existiu no Algarve entre 1920-1981 e corri os jornais todos à procura de referências a Messines e ao concelho de Silves. São Marcos da Serra foi das terras que anotei sempre tudo.
Mas aí ainda não tinha a ideia de escrever uma monografia?
Eu li a “Monografia de São Bartolomeu de Messines” de Ataíde Oliveira, teria uns 10 anos, a minha avó tinha o livro, e achei muita piada ler a história de Messines.

Numa rua gosto de olhar para uma casa e perceber quem morava lá e questionar-me por que é que isto é assim? De onde é que veio?

A monografia abriu-me um pouco os horizontes mas é uma obra escrita em 1909 e eu li-a aí em 1989, e fiquei com uma série de dúvidas. E então fui à procura e li o “Correio do Sul” todo, recolhendo a informação que comecei a usar no Terra Ruiva. E pesquisei nos jornais que existiam na Universidade do Algarve, na biblioteca hoje António Ramos Rosa, em Faro, li o jornal “O Algarve”. Mas uma pessoa sentada numa secretária a ler um jornal, à procura de notícias, é imenso tempo…

Depois começou a ir a Lisboa…
Fiz alguma investigação na Biblioteca Nacional, inicialmente para a minha árvore genealógica, só depois de depois de terminar o curso é que comecei a debruçar-me mais sobre a história local.
O seu primeiro trabalho é sobre o Remexido, ( “O Remexido- Traços biográficos de um homem coerente e fiel aos seus princípios”) publicado pela Câmara Municipal de Lagoa.
Isso aconteceu porque eu estava, nessa altura, a ler as atas da Câmara Municipal de Silves. Tinha começado a lê-las em 2002, assim que concluí o curso. E a Dr.ª Bárbara Ribeiro, do Arquivo de Lagoa, pediu ajuda ao Arquivo de Silves para um trabalho sobre o Remexido e falaram-lhe em mim. Escrevi um pequeno artigo, que foi publicado num livro, em 2005. Hoje em dia não gosto nada do que foi publicado.
A síndroma da primeira obra?
Acho péssima. O meu segundo trabalho foi sobre a visita da família real ao Algarve, reunia artigos que eu tinha publicado no “barlavento”. O primeiro artigo que publiquei nesse jornal foi em 2004, sobre a inauguração da eletrificação do caminho de ferro para o Algarve. Depois publiquei uma série de artigos sobre a história do Algarve e em 2007, a Câmara de Lagoa publicou esses artigos. Dessa publicação, “Recordar a visita real do Algarve outubro de 1987”, já gosto mais.

Está ligado a um grande momento que Messines viveu, há cerca de dez anos, com a Exposição Notáveis Messinenses, da qual resultou também um livro com as biografias dos homenageados.
Esse trabalho foi bastante difícil e foi possível porque tivemos o apoio fundamental da Dr.ª Luísa Pereira, do Arquivo de Silves e da Dr.ª Bárbara Ribeiro, do Arquivo de Lagoa. A ideia surgiu quando eu comprei um livro, “A Longa Luta”, do messinense António Neves Anacleto, e na altura o José Vítor Lourenço era o presidente da Junta de Messines e começamos a pensar que seria interessante mostrar aos atuais messinenses as pessoas que por aqui têm passado. Começamos a amadurecer a ideia, a fazer contactos e foi tudo gracioso, as pessoas não cobraram absolutamente nada pelas biografias que escreveram e isso permitiu fazermos o livro que foi oferecido à população. Das emoções que guardo dessa altura, uma está relacionado com a poetisa Maria Antonieta Barbosa. Eu passava pela casa onde viveu, via a placa e tinha lido a biografia que o Vasco Reis escreveu, mas quando fomos a casa da irmã dela, em Cuba, falar com a sua irmã, ver os seus objetos pessoais, foi uma grande emoção. E guardo outros momentos, a visita à Assembleia da República com a D. Noémia Anacleto, a visita à Fundação Oriente com o neto do visconde de São Bartolomeu de Messines, o contributo do engenheiro António Silva, que me forneceu muita informação que agora também me foi muito útil no livro que publiquei…
Estamos a falar da obra “São Bartolomeu de Messines e o Concelho de Silves – Dos alvores do Liberalismo ao 5 de outubro de 1910”, que foi apresentada em junho deste ano…

Sim, nesse livro vali-me muito das informações que me deu, investigações que ele tinha feito, do século XVII e XVIII. O liberalismo é uma época muito complicada, acontece tudo e mais alguma coisa e reviravoltas frequentes, para quem não tem um conhecimento profundo da história não é fácil. Temos de entender. Dou o exemplo das atas da Câmara de Silves.

Não é só ler, temos de compreender o que se estava a passar, e o que motivou aquelas pessoas a escrever aquilo naquela altura. Para quem chega 200 anos depois, aquela informação pode não ser fácil.

Tem de fazer uma espécie de tradução do que está a ler.
É isso, e eu vali-me muito, espero eu que bem, de livros que tinham sido publicados na mesma época, para comparar e tentar perceber o que as pessoas pensavam e porquê. Houve uma altura em que tinha um capítulo feito e deitei-o fora, porque encontrei um livro novo e as conclusões que eu tinha antes não eram as melhores.

A história, como outras ciências, está sempre em aberto…
Há dias, uma pessoa amiga deu-me um link com 537 referências sobre a história de Messines. Fiquei quase em pânico, enquanto não percebi se tinha algumas gaffes grandes no livro. A história realmente nunca acaba.

Tantas vezes se pensa que uma descoberta é a definitiva, depois vem outra que muda tudo…
Eu dou por mim a pensar que a história é a ciência ao inverso, enquanto a ciência estuda o presente e o futuro, a história estuda o passado e o presente. Não há conclusões, estão sempre a aparecer fontes novas… felizmente, da análise que fiz às 537 entradas, apareceram alguns elementos que podem complementar, mas não apareceu nada que venha discordar das conclusões. Já dormi um pouco melhor nessa noite…
Eu procurei reunir o máximo de informação, para não cometer erros, e depois até tive o problema inverso, tinha excesso de informação e também não foi fácil selecionar. Depois optei, se calhar erradamente, por colocar o máximo de informação por isso levei tanto tempo e o livro cresceu desta maneira, 500 páginas. Entretanto, enquanto estava a preparar este, ainda publiquei outros trabalhos, “A visita do presidente Sidónio Pais ao Algarve” (2011), para os Anais de Faro e publiquei, pela Casa do Algarve, uma compilação de artigos que tinha escrito na imprensa regional, um pequeno opúsculo “O comboio no Algarve: festejos e inaugurações” (2014). E depois o livro “A Igreja Matriz de São Bartolomeu de Messines” (2014), que já foi um trabalho no âmbito do Mestrado na Universidade do Algarve, na cadeira de História de Arte.

Quando foi a apresentação do seu livro da história de Messines, disse que várias vezes sentiu a excitação de ser a primeira pessoa a tocar naqueles documentos…E qual a maior descoberta?
Aconteceu-me um episódio muito curioso, quando estava consultar documentos na Assembleia da República. Já tinha visto quatro caixas e 1500 documentos e tinha encontrado o que queria, estava com pouco tempo e vi que ainda faltava ver uma caixa. E levantou-se a questão, vale a pena ver esta caixa? Mas resolvi ver e lá estava o que eu nem imaginava que pudesse existir e era uma prédica que o padre de Messines fez sobre as virtudes do sistema constitucional, em 1821, ou 22. E então o padre mandou essa prédica para as Cortes, para que ela não ficasse sepultada no esquecimento e apenas para aqueles que a ouviram. E foi assim que eu, 200 anos depois, sentado no arquivo da Assembleia da República, fui dar com um documento que nem sabia que existia… E revi-me nos termos dele “para que não fique sepultada no esquecimento” e realmente não ficou, 200 anos depois estava eu ali.

Estive dois dias em Lisboa e foi na derradeira caixa que encontrei aquele documento. Só não dei pulos lá no arquivo porque ficava mal. Mas foi dos maiores achados que já fiz.

Temos falado nas atas da Câmara Municipal de Silves, quais leu?
Li tudo, de 1823 a 1920. Por norma levava um dia a ler um ano. São livros escritos à mão, com pena de pato, não há índice, temos que nos sentar na frente do livro e vamos lendo tudo… há dias em que até é bom pois encontramos umas coisitas, outros dias é muito chato. E o critério da leitura das atas também é difícil, há alturas em que achamos interessante e apontamos tudo, e passado um mês não sabemos porque o fizemos. Uns documentos que gostei de ler, e que seguramente não tinham sido abertos antes, foram os livros do Juiz de Paz, à volta de 1850 até 1870. Estavam na Junta de Freguesia de Messines e para os ler tive de os limpar primeiro, folha a folha, com uma trincha…

Neste seu livro surgem alguns aspetos ainda não revelados de personalidades de Messines.
Sim, e até do concelho de Silves.
Messines surge ao longo do tempo sempre como uma freguesia com muito peso no concelho.
Sim, sempre. Logo que a vila de Lagoa é elevada a sede de concelho, no final do século XVIII, Messines passa a ser a freguesia com mais pessoas, e com grande poder económico, sem sombra de dúvida. E curiosamente sempre que há movimentos de rutura social, são os messinenses a ocupar a presidência da Câmara de Silves, foi assim em 1910, já tinha sido em 1836, com o pai de João de Deus, sempre tivemos esse tipo de pessoas, o visconde de Messines, o senhor Vaz, com a República…
Quando se menciona que Messines, em 1910, tinha cinco hotéis, casas de pasto, duas estalagens, teatro, clubes, custa a imaginar esta aldeia…
Tudo isso se deve sem dúvida, às acessibilidades e ao caminho de ferro. Entre 1889 e 1903, toda a gente vinha apanhar o comboio a Messines, e as pessoas tinham de ficar alojadas em algum sítio, daí os hotéis. Foram 11 anos de grande desenvolvimento, era uma terra com um grande poder económico,

O comboio que tanta importância teve e agora está em tão grande declínio….
É uma tristeza. A explicação que eu encontro para isso é a ignorância. A localização e a importância que Messines tinham na época são as mesma de hoje. Não entendo porque não se manteve a estação e porque não para de manhã o Alfa. Mesmo para as pessoas de Silves é mais fácil vir apanhar o comboio aqui. É curioso porque quando finalmente se aprova o local para a Estação de Silves, a Câmara diz em ata que a estação de Silves nunca vai servir os reais interesses da cidade e que a estação de Silves vai continuar a ser Messines, não obstante estar a 17 quilómetros. Porque em Tunes as pessoas e as mercadorias tinham de mudar e aqui seguiam diretas.
Lembro-me que há vários anos organizou um movimento de protesto contra a supressão de comboios na estação de Messines.
Sim, em 1999, quando a estação fechou. Ainda estudava em Faro, deslocava-me de comboio, na altura custou-me imenso assistir àquilo. É o que vemos acontecer hoje. E sabe, a história tem um problema grave, pois responsabiliza-nos muito. Quem tem um bocadinho de conhecimentos e vê que se estão a repetir os mesmos erros do passado… é complicado, isso a mim aflige-me muito, especialmente a nível global. E penso que publicação deste livro também me desresponsabiliza, porque eu partilho toda esta informação com todas as pessoas. A partir deste momento, a responsabilidade deixa de ser só minha, é de todos, de toda comunidade.
O conhecimento está disponível, é isso?
O conhecimento está disponível e a partir desse momento só se comete algum erro se as pessoas permitirem.

Há muito tempo que defendo que devia haver aulas de história local.
Há dois problemas: a história local não está feita, na maioria das terras, e não é fácil encontrar quem a faça, até porque esse trabalho normalmente não é remunerado. Eu não ganhei nada com este livro, o dinheiro da aquisição foi só para pagar as despesas da impressão, se fosse pago era um balúrdio, estão aqui 20 anos de pesquisa. Não fiz só isto e intercalei com férias, mas nos últimos dois anos praticamente não saía de casa, foi um esforço insano, sinceramente houve alturas em que pensei que o trabalho nunca veria a luz do dia… E ainda assim, isto parece ridículo, mas o principal inimigo, enquanto escrevi este livro, foi o tempo. Tinha um prazo para entregar a tese de mestrado e os assuntos eram tantos e eu tinha de pensar sobre eles, de refletir, de tentar viver naquela época. No último ano, toda a gente gozou comigo, que eu não estava a viver no século XXI e era verdade, eu realmente vivia com as pessoas do meu livro, a tentar perceber porque faziam assim ou de outra forma …

Atualmente é colaborador do Terra Ruiva e do Sul Informação, é o desejo de partilhar esse conhecimento e a responsabilização que o move?
Move-me a justiça, ou a ausência dela. Ao longo da história vemos que as necessidades básicas não são distintas do que foram outrora: saúde, emprego, uma vida estável, uma família feliz, é o que todos queremos.

E temos muito a aprender com aqueles que aqui habitaram antes, pessoas iguais a nós, neste mesmo espaço, e conseguiram tirar partido dele apesar de todas as vicissitudes.

Eu estou sempre a dizer: nós hoje vivemos, as pessoas de então sobreviviam. Claro que existiam algumas pessoas com poder económico, mas eram a exceção. As pessoas tinham uma vida difícil, a vida no Algarve nunca foi fácil, havia secas frequentes. Há bocado falava do caminho de ferro, que levou 20 anos a chegar cá, e ainda demoraria mais se não fosse a seca de 1875. Porque o Governo, na iminência dos algarvios morrerem à fome e à sede, viu-se obrigado a abrir as obras públicas, e muitas dessas pessoas recebiam como pagamento diário uma mão cheia de figos. Custa-me muito ouvir pessoas a queixarem-se que a vida hoje está muito má. Nós temos hoje qualidade de vida e não há motivo para o abandono do ensino da história. Isso vai sair muito caro, mesmo muito caro. E em breve podemos ter uma crise grave e na minha opinião a democracia está mesmo em causa.
Nos próximos anos vamos ser testados.
O sistema vai ser testado e a ausência de conhecimento sobre o contexto histórico vai-nos custar muito caro.

No seu livro, é curioso que vê-se que os messsinenses sempre foram muito ativos, há sempre uma revolta, uma reclamação, uma petição… os comerciantes, os agricultores…
Sim, a história mostra que Messines sempre foi uma freguesia ativa, com uma presença muito forte. E em Silves não. Mas isso também se poderá justificar com a história. Silves, em 1820 era uma pequena aldeia. O sismo de 1755 fez ruir os poucos edifícios que existiam, ficaram 20 casas de pé, era um local inóspito, com doenças frequentes, o que terá levado a não existir uma pequena elite em Silves. Esta elite surge com a indústria corticeira, mas com a pressão que o Estado Novo exerce sobre Silves, a indústria sai e concentra-se na Margem Sul, e aquelas pessoas que tinham um conhecimento mais além, terão migrado com as fábricas.

E um problema que tivemos sempre foi o analfabetismo. Em 1910, 90% dos habitantes de Messines eram analfabetos, é uma chaga enorme. No Reino Unido a percentagem de pessoas que não sabiam ler nessa altura era de 1%.

Este é um flagelo que nos tem acompanhado. E hoje faz-nos falta a massa crítica. As pessoas têm de saber criticar. E só a história e a filosofia é que nos levam a pensar.
As pessoas hoje criticam muito….
Mas não criticam nos lugares certos e na maior parte das vezes fazem-no sem conhecimento de causa. Há um divórcio muito grande entre quem nos representa e as pessoas, o que é insustentável, a democracia responsabiliza-nos a todos. A todos por igual. O único local onde somos todos exatamente iguais é na urna de voto. E assusta-me as pessoas não irem votar. Choca-me.

Não queria deixar de falar num assunto que transparece nos seus livros e muitos artigos que é o esquecimento a que o Algarve tem sido votado.
É crónico. Sempre foi.
Vê alguma perspetiva de alteração?
Não, porque um dos problemas do Algarve é que raramente se levanta uma voz a pugnar pelos interesses da região. O Dr. Vítor Neto está sempre a dizer que temos no Algarve pequenas repúblicas independentes, são 16 câmaras e cada uma puxa para si. Eu estou aqui e quero! Mas o abandono do Algarve tem sido uma constante e injusto. E as portagens na Via do Infante para mim são inadmissíveis!

Está feita uma parte da história de Messines, resultante de grande esforço pessoal, durante muitos anos…
Mas se não fizesse este livro não ficava bem comigo próprio…

E agora projetos para o futuro? Na apresentação do livro disse que agora nem tão cedo se metia noutra, mas será assim?
Tenho uma série de projetos, já antigos. Estou em dívida com o Gilberto Valério, que fez uma recolha de fotografias antigas, de Messines, com muito mérito. Ele identificou as pessoas e os acontecimentos e eu prontifiquei-me a fazer a contextualização daquelas fotos. Será um livro de fotografias de Messines no século XX, com 20 ou 30 páginas de texto, o resto serão imagens. As pessoas encontram muitas vezes o Gilberto e perguntam-lhe quando sai o livro, mas a culpa é minha e vou ter de começar a escrever. Na Caixa Agrícola de Messines, fui aliciado para fazer a continuação da história de Messines até 1974, que era o meu propósito inicial, mas será muito difícil. Senti alguma infelicidade em não conseguir ir muito mais além do que a monografia de Ataíde de Oliveira e não conseguir chegar a 1974, mas a freguesia tem mais de 8000 pessoas, pode ser que apareça alguém interessado na história local e que queira fazer o período em falta.

Por enquanto, para o bem e para o mal, é o historiador de Messines.
Eu tenho parte da recolha feita, mas faltam-me ler 50 anos de atas da Câmara Municipal…. Também tenho sido aliciado para escrever pequenos capítulos sobre outros temas, vamos ver.

E continuo com as minhas colaborações com os jornais, são o meu contributo para a sociedade, todos temos de combater a injustiça de tantas figuras notáveis serem votadas ao esquecimento, e tanto que podíamos aprender com elas. Com o exemplo delas, o modo de vida, a luta.

Com tanta informação que recolheu tem uma noção da evolução da freguesia de São Bartolomeu de Messines ao longo dos séculos. Messines está numa situação de estagnação como se fala? E daqui para a frente?
Penso que sim, há uma estagnação, desde há uns 20, 30 anos. Para mim, isto aconteceu porque faltou que a comunidade se juntasse e lutasse por objetivos. A freguesia ficou um bocadinho amorfa e a mim assusta-me quando se vem defender que a prisão é o melhor que pode acontecer a Messines nos próximos anos. Se estivéssemos em 1980 admito que podia ser. Nos nossos dias assusta-me. Todas as forças políticas virem embandeirar em arco que é a melhor coisa para a terra, faz-me pensar que não vivem em 2019, senão certamente teriam outras formas de pensar.

Nós estamos a 25 quilómetros de Albufeira, que tem milhares de turistas… não precisávamos de milhares de pessoas aqui, mas escassas dezenas faziam a diferença toda.

Messines está ligada a todas as cidades do Algarve, está ligada às lutas entre absolutistas e liberais, temos a Ermida de Sant’ Ana, onde estão sepultados vários soldados belgas, que vieram ajudar o exército de D. Pedro, penso muitas vezes se não seria interessante falar nisso aos belgas que vêm ao Algarve… Messines, através de João de Deus, está ligada à história da poesia e da pedagogia, temos uma grande história geológica, o grés de Silves, os achados de dinossauros, temos o lince ibérico, ao fim e ao cabo uma série de valências que podiam ser exploradas e nem precisávamos de inventar a roda.

Quase me atrevia a dizer que Messines tem tudo para ser uma terra grande, basta que a sociedade o queira. O que noto é que há um amorfismo da sociedade, que não exige, que não se mexe.

Messines teve a Feira de Setembro porque houve um coletivo que foi exigir ao rei que criasse a feira. A Câmara de Silves veio dizer que se fazia a feira mas que metade do dinheiro que os feirantes pagavam revertia para ela, porque a metade que sobrava para Messines era suficiente para fazer a festa à Nossa Senhora. E as pessoas disseram, isso é o que mais faltava, e fizeram uma petição ao rei, que lhes deu razão, e no ano seguinte ficaram com o dinheiro todo.

O que nos falta agora é esse tipo de pessoas. Pese embora eu esteja esperançado pois há um conjunto de pessoas de cá, outras que moram em Messines, relativamente jovens, com formação, que podem dar um bom contributo para o desenvolvimento da terra. A riqueza de uma terra são as suas pessoas, quando elas pensam, têm ideias e capacidade de exigir e de realizar é meio caminho andado para o sucesso da terra. E pessoas assim, Messines sempre teve.

 

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2 Comentários

  1. Acabei de ler, há pouco, as últimas páginas do livro “ SÃO BARTOLOMEU DE MESSINES E O CONCELHO DE SILVES”, da autoria do nosso conterrâneo Aurélio Cabrita.

    Utilizando uma imagem, poderei dizer que fiz a sua leitura, lenta e pausadamente, como quem degusta a novidade das primícias, que a terra oferece, em cada Estação, saboreando, obviamente, com particular interesse, as partes referentes ao nosso povo de Messines, que, para mim, será sempre “o povo” e não a vila – que me desculpem por esta falta de sincronia -, porque é deste modo que o continuo a ver, emocionalmente, visto que assim o deixei, quando dele sai, já lá vão mais de seis décadas.

    Do livro ressalta, evidente, a elaboração de um aturado, longo e sério esforço de pesquisa.
    Seria uma injustiça ver o livro como os que se lêem “de um fôlego” e se colocam, de seguida, de lado, como algo descartável, porque isso o apoucaria, uma vez que, bem ao contrário, se lhe deve a homenagem dos que figuram na galeria das obras, cujos parágrafos merecem ser lidos e relido, no caso, a fim de que, melhor, fiquemos a conhecer os antecedentes da terra que nos deu o berço e o regaço e serviu de palco à estremecida infância, o período mais feliz das novas vidas.

    Sem que constitua qualquer desprimor para mais este excelente contributo, que o talento do Aurélio Cabrita nos ofereceu, permita-se-me a sugestão de que, numa eventual reedição, o livro poderia ser valorizado, através de mais ilustrações, se possível, a cores, visto que as há, como se sabe, referentes aos temas tratados, e em grande profusão.

    Termino, saudando a ascensão deste jovem historiador – que revela uma maturidade não muito comum na sua idade -, não como uma mera promessa emergente, mas como um valor já afirmado e de que ressalta igualmente um amor estrénuo pelo torrão que o viu nascer.
    Faço-o, de um modo particularmente reconhecido, pelo que me tem dado a conhecer sobre a minha / nossa terra, designadamente sobre as suas gentes.
    Estas breves palavras não pretendem ser um panegírico de circunstância, mas um simples acto de justiça pelo mérito intrínseco, de que o Aurélio Cabrita deu já bastas provas.

    P.S. – Seria interessante, se isso estiver no seu horizonte, que o Aurélio Cabrita dedicasse também a sua atenção a uma análise discursiva sobre a arquitectura, mais modesta, que integra o casco histórico de Messines, seu núcleo original – que o bom senso aconselha que deva ser preservado, tal como está -, à semelhança de alguns dos trabalhos, que já publicou, sobre as casas senhoriais.
    Igualmente ficamos expectantes pela publicação, de parceria com o Gilberto Valério, do valioso acervo de fotos antigas de vários dos nossos conterrâneos, grande parte deles, infelizmente, já desaparecida do nosso convívio, para cujo propósito eu próprio já contribui com o envio ao Gilberto de algumas.

  2. Aurélio Nuno Cabrita

    Sr. José Domingos, muito obrigado pelo seu elogioso comentário. Sobre o mesmo importa dizer duas coisas: foi opção minha colocar apenas fotografias a preto e branco, uma vez que o hiato de estudo termina em 1910 (além de que mais fotografias implicava mais páginas, e se as colocasse mais recentes, toda a edição teria de ser impressa a cores e por consequência com custos mais elevados); Depois concordo inteiramente com o levantamento e estudo urgente da arquitectura popular do nosso “povo” de Messines. Neste momento todos esses edifícios estão a saque por não existir qualquer protecção. Porém, tal tarefa deve ser feita por alguém mais entendido nessa matéria, que não é o meu caso… Espero contudo que a Câmara Municipal de Silves, no âmbito do projecto de requalificação do centro antigo, esteja a fazer esse trabalho. Renovo os meus agradecimentos. Um abraço.

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