TRÊS POETAS CRISTÃOS E REVOLUCIONÁRIOS – Eles vêm dos séculos XIX e XX: O João, o Bernardo e o Pablo. Só o último conheci num encontro, na chamada Ilha de França, por onde o rio Sena se divide, e depois se abraça, e onde se ergue a mais antiga catedral do país: Notre Dame de Paris.
Mas vamos ao “primeiro” encontro: o João, nascido em Messines, no ano de 1830. O tempo das tragédias, como os cronistas do tempo nos deixaram testemunhos em narrativas, em tragédias políticas e moralistas , como Camilo Castelo Branco, nos narra nas suas “Memórias do Cárcere”: “ Este nosso Portugal é um país em que nem se pode ser-se salteador de fama, de estrondo, de feroz sublimidade. Tudo aqui é pequeno.
Foi nesse ambiente de pequenez que se fez um Poeta/Pedagogo, para além do país pequenino, sonhou-o grande : no saber dizer em letras, em palavras, escritas, em prosa e poesia, num país proibido de o ser, e em continuidade, analfabeto. Assim. O João se tornou num triplo: Poeta. Pedagogo, Revolucionário.
Imaginaram no revolucionário pela verdade de o dizer: Eis o Regresso do Rei :”El-rei voltou de Vidago / Gordinho como um torresmo / e bem de estômago a ponto / que se antes comia um conto / Por dia / Com dispepsia / Agora é capaz… Num trago / De se comer a si mesmo”.
O poeta revolucionário das novas causas, ficou por Lisboa, até 1896, onde o levaram para a casa dos Homens célebres, deixando-nos um campo de angústias, que passou para “Flores”. Com “ LUI TOUJOURS… Se morresse o marquês de Ávila um dia / Lá ia o pobre Portugal ao fundo / Desse mar bravo da demagogia / Porque o nobre marquês não tem segundo / Se a República um dia se proclama / Quem será presidente ? Com certeza / Que o nobre marquês de Ávila e Bolama”.
Como esse grito nacional, a despertar inconsciências, num pequeno país de grande iliteracia : “ Quem teve a grande desgraça / Em não aprender a ler / Só sabe o que se passa / No lugar onde estiver”. João, sempre o poeta/revolucionário/pedagogo. Amado e detestado. Ficou numa figura Nacional. Num respeito sentido popular. E numa farsa política do poder monárquico.
Outra figura, nessa continuidade da cordilheira algarvia: o serrano Bernardo, nascido nessa aldeia de S. Brás de Alportel. Uma localidade de pensadores… O “pecado “ de Bernardo foi o de ter nascido de uma família de letrados e de artistas plásticos: O Poeta e os irmãos: Escritor – Boaventura, Pintora – Virgínia e Escultora – Rosalina. Quatro irmãos nascidos no Parnasianismo das musas serranas. Bernardo – 1876-1930- uma vida de revolucionário, em que o poeta, pela sua força de republicano, se mostra na diferença. Em 1907 publica o título: ”Grão de Trigo”. Manifesta-se panteísta puro; do naturalismo de Spinoza e o idealismo de Hegel. Naturalmente patentes.
Em 1909, Bernardo agita a sociedade ultra-conservadora, no breve, mas não menos revolucionário opúsculo de “A REACÇÃO NO ALGARVE”. São 13 páginas que incendeiam o tradicionalismo de um tempo novecentista, herdeiro dos séculos pretéritos: “ É especialmente sobre a província, e com maior intensidade sobre este iluminado e ingénuo Algarve, tão ludibriado sempre pelos mandarins das facções políticas, que a reação clerical anda desencadeando a sua feroz e perniciosa campanha d ´ódios contra os princípios da democracia“.
Bernardo foi um autodidata. A sua Universidade foi a família de pais e irmãos. A classe intelectual e política republicana do seu tempo tinha uma admiração pela sua ternura poética de cidadão exemplar, apelidando-o de S. Bernardo. Num contraditório que se excluía, pessoalmente. Foi um admirador incondicional do João de Messines. “Herdou-lhe” esse pendão pelas crianças, no seu livro: “ A Árvore e o Ninho”. É um tratado “ecológico”, muito avançado para o tempo, em contraste com o seu pendor poético. Quando no século que se anunciava, para 2000, escrevi, para uma nova edição de “A Árvore e Ninho”, as breves palavras: “ Quando Bernardo escreveu, no princípio do século XX, A ÁRVORE E O NINHO”, soube registar o tempo preciso da fantasia que ajuda para os pequenos a crescer e a amar a natureza. Este poema-fábula é rico pela simplicidade da sua constituição, num cenário restrito e triangular da família ( as aves) no habitat do ninho, a ”avó árvore “.
Foi um homem que não chegou à paternidade, mas, nessa linha recta que o João deixou, se entregou à criança… Esse livro ficou silencioso no tempo da ditadura. Não era o tempo para ecologismos. Era o tempo dos ciprestes. E essa ideologia era a que se impunha… Bernardo morreu nesse tormento do tempo. Chegou-lhe o fim, em 1930, pedindo que lhe lessem poesia, o seu “alimento”.
“Que mistério de fé nos segredeia / O infinito na voz desse luar ? / Creio, aspiro! Morrer (pra que sonhar ?)“ . Seguiu cadáver para a terra natal, para o panteão familiar, que a irmã Rosalina, a escultora traçou, num risco regional. Bernardo ficou um poeta- político- cristão-ecologista- revolucionário. Essencialmente, regionalista concreto, sem que essa classificação lhe seja diminuta, antes sobrejacente.
O terceiro poeta, um revolucionário concreto, de nome universal. Pablo é um poeta do século XX. Nasceu em 1904, na pequena cidade de Parral, em Santiago do Chile. Foi, dos três, o único que conheci, a corpo inteiro, mas muito fragilizado, e que durante uns dois dias, convivemos, em conversa construída, inicialmente, perto da catedral de Nossa Senhora de Paris, numa manhã solarenga de Abril. Pablo, ali estava, incógnito, um boné a baixar-lhe para os olhos. Perto um guarda-costas protegia o senhor embaixador do Chile, em Paris. Estávamos na primavera de 1972. A conversa surgiu, num lançar de olho, ao livro que estava no meu colo, escrito em francês. “Camöes”, um estudo sobre Camões, de Jacques Fressard- 1964. E Pablo desperta para umas palavras que se trocaram amistosas. Durante esses dias, que se seguiram a seu convite, num Bistrot (pequena taberna), perto do célebre café Dôme. O homem que recebera o doutoramento Honoris pela Universidade de Oxford-Inglaterra. Que havia sido distinguido com o Prémio Nobel da Literatura -1971. Uma figura internacional. Ali estávamos, numa tasca do Boulevard du Monparnasse, numa conversa política e Ibérica. Bebemos, junto ao seu motorista, três copos do rouge. Despediu-se para uma operação, num abraço para a “Liberation” da Península, que não tardou.
Pablo ofereceu-me dois livros: “Résidence sur la terre”, numa tradução de Guy Suarés, edição de Gallimard. Ainda, uma relíquia, em espanhol: “Odas Elementales”- edição – Editorial Losada – Buenos Aires- 1958. Um breve resumo : “Yo me rio / me sonrio/ de los viejos poetas / yo adoro toda / la poesia escrita / todo el rocio / luna, diamante, gota / de plata sumergida/ que fué mi antíguo hermano”. Guardo esses dois livros como uma herança cultural de maior valor. Antes da separação, naquela nobreza de poeta universal, naquela singeleza de homem para homem, me recita : “Ah mujer no sé cómo pudiste contenerme / en la tierra de tu alma, y en la cruz de tus braços “.
Num cumprimento de um abraço, vi Pablo abalar, para uma memória do toujours. Depois, a 11 de Setembro de 1973, num golpe militar, no Chile, que derruba o governo da Unidade Popular, provoca a morte de Pablo. Neste 2018, anuncia-se que o Poeta das Odas Elementales teria sido assassinado, por mando do conhecido general Pinochet.
São estes os três poetas revolucionários, em artes e atitudes que se uniram a tantos outros que se espalham pela terra universal. Fiquei-me nos seus nomes de: JOÃO, BERNARDO E PABLO, nessa modéstia em que sempre se assumiram, construindo os seus universalismos, em molduras pessoais …