Presos políticos de Silves
António Estrela
António Estrela, filho de José Estrelo e de Maria Francisca, nasceu em Silves, a 1 de Abril de 1910, no seio de uma família de corticeiros. Cedo se iniciou no mundo do trabalho na Fábrica do Inglês, onde trabalhavam familiares seus. Frequentou a escola da Associação dos Corticeiros até à 3ª classe, não concluindo a instrução primária porque, como era frequente naqueles tempos, bem cedo havia que começar a contribuir para o orçamento familiar. Iniciou o estudo de Esperanto, a que se dedicou durante largos anos.
António Estrela era um admirador de Domingos dos Santos Passarinho, Presidente da Associação de Classe Corticeira. Assim, bastante novo, integrou-se no movimento operário da cidade caracterizado pelo anarco-sindicalismo. A sua intervenção política iniciou-se no contexto da repressão operária ocorrida em junho de 1924. Com 14 anos assistiu à carga de cavalaria que carregou sobre a manifestação operária, na qual o seu pai ficou ferido.
Como outros jovens corticeiros afastou-se do anarco-sindicalismo, rendendo-se ao comunismo. Neste contexto, foi um dos mais importantes dirigentes comunistas nos anos 30 em Silves e, sem dúvida alguma, aquele que, ao nível operário, maior destaque teve na preparação do 18 de Janeiro, cabendo-lhe a organização local da tendência comunista e a orientação das reuniões clandestinas, bem como os contactos com o Comité Regional da greve.
Foi preso a 20 de Fevereiro de 1934 em Silves, transitando no dia seguinte para o Comando da Polícia de Faro, acusado de “fazer propaganda de ideias subversivas por meio de reuniões de célula comunista em Silves” e de ter mandado “fazer uma porção de tubos de ferro, para serem carregados com dinamite”.
Enviado para a PVDE, em Lisboa, ficou detido no Forte da Trafaria, aguardando o julgamento. Foi julgado pelo TME, a 14 de Maio de 1934, que deu como provados os crimes de que era acusado, tendo sido condenado a 12 anos de degredo numa das colónias, com prisão, e à multa de 20.000 escudos.
A 8 de Setembro de 1934 seguiu para Angra do Heroísmo, no navio “Carvalho Araújo”, tendo aí chegado a 13 de Setembro de 1934. Foram quase nove anos que passou “no inferno de Angra do Heroísmo”.
No degredo, lutou contra péssimas condições prisionais, participando nos levantamentos de rancho contra a “comida” e nos protestos contra o espancamento individual e coletivo dos presos, situação muito frequente ao mínimo pretexto. Conheceu várias vezes o isolamento na “Poterna” e no “Calejão”.
Devido aos maus-tratos e às desumanas condições prisionais, a sua saúde deteriorou-se e em 1938, sofreu a primeira síncope cardíaca.
Foi-lhe identificada “uma grave doença no coração”, que tendia a “agravar-se devido às más condições atmosféricas do clima” açoriano. António Estrela escreveu ao Diretor da PVDE a solicitar a sua transferência para o Continente. A doença era confirmada por um relatório médico. Desde Março, António Estrela voltara “a ter síncopes cardíacas muito graves, em que esteve na iminência da morte”. Apesar de toda a medicação ministrada continuava “com manifesta insuficiência do miocárdio, não devendo ser longa a sobrevida”.
António Estrela regressou do Depósito de Presos de Angra do Heroísmo, a 9 de Junho de 1943, tendo sido transferido na mesma data para o Depósito de Presos de Peniche. Apesar de continuar preso, a sua vida melhorou muito, pois as condições prisionais do Continente nada tinham a ver com o que até aí suportara.
A 22 de Setembro de 1945, António Estrela foi entregue nas Cadeias Civis Centrais de Lisboa, tendo passado pelo Limoeiro e por Monsanto, tornando a voltar a Peniche, de onde saiu em liberdade a 18 de Novembro de 1946. Cumpriu 12 anos, 9 meses e 11 dias.
Foi para o Montijo, tendo-se empregado na fábrica Mundet, onde a sua mãe trabalhava.
No final de 1947, António Estrela regressa a Silves a convite do proprietário local Dionísio Oliva que o empregara numa adega para venda de vinho da sua produção. Essa adega passou a ter o nome de “Caixão-à-Cova”, posto pelos clientes, na sua maioria operários corticeiros, junto dos quais António Estrela desfrutava de grande popularidade. O negócio correu bem e, nos finais dos anos 60, já como proprietário, abriu novo estabelecimento no mercado municipal em sociedade com Joaquim dos Santos Caetano, acabado de regressar de Marrocos.
Apesar de afastado das lides políticas, António Estrela esteve sempre sob vigilância policial. A PIDE era uma visita constante da taberna.
Em 1969, António Estrela fez parte da Comissão Democrática Eleitoral em Silves.
Depois do 25 de Abril continuou a sua atividade partidária no PCP. Era uma das referências históricas da resistência silvense, tendo dado forte contributo para a implantação desse Partido no concelho. António Estrela foi um dos candidatos do PCP, pelo círculo de Faro, às eleições para a Assembleia Constituinte que se realizaram a 25 de Abril de 1975, mas não chegou a ser eleito como deputado.
António Estrela faleceu a 23 de Janeiro de 1998, em Lisboa, mas o seu funeral teve lugar em Silves.
Sebastião Viola
Sebastião dos Ramos Viola Júnior, filho de Sebastião Ramos Viola e de Aldegundes Conceição Viola, nasceu em Silves, a 12 de Janeiro de 1915. Cresceu numa família remediada, pois o seu progenitor tinha um fabrico de cortiça que se foi transformando numa próspera unidade fabril. Fez a instrução primária e concluiu o curso comercial em Silves. Foi um entusiasta organizador das “Juventudes Comunistas” na cidade. Fez parte da Associação dos Empregados no Comércio de Silves. Foi preso no seguimento da greve de 18 de Janeiro de 1934. Por ser muito jovem e por José Gonçalves Vítor, presidente da Associação dos Empregados no Comércio de Silves, ter assumido a responsabilidade pelo encerramento da Associação no dia da greve, foram soltos.
Apesar de ter escapado à PVDE, a sua atividade e a de outros não passara despercebida ao Administrador do Concelho de Silves, Salvador Gomes Vilarinho, “queria ver a cidade limpa de comunistas”. Por isso Sebastião Viola foi expulso de Silves pelo Administrador do Concelho, quando tinha 19 anos.
Sebastião Viola partiu para França, onde chegou a 10 de Março de 1935, e pertencia à Federação das Juventudes Comunistas Portuguesas (FJCP).
Em 1938 regressou a Portugal.
A 27 de Maio de 1939, recolheu à cadeia do Aljube. A 25 de Maio de 1939, foi transferido para o Depósito de Presos de Caxias.
A acusação que lhe foi feita revela o trabalho de investigação da PVDE: Sebastião Viola “faz parte de um núcleo de extremistas que estavam exilados em França e que ultimamente se tem internado em Portugal, a fim de reorganização todos os escalões da organização extremista”.
Nos interrogatórios, Sebastião Viola negou todas as acusações que lhe eram feitas.
A PVDE propôs que Sebastião Viola fosse “enviado a Tribunal Militar Especial como detentor de propaganda subversiva, independentemente de ser entregue às autoridades em virtude de ser refractário” e aconselhou a libertação de outros dois arguidos. A Polícia política considerou que os seus meios de defesa não tinham sido “aceitáveis”-
E assim, Sebastião Viola foi novamente transferido para a cadeia de Aljube a 11 de Setembro de 1939 e, dois meses mais tarde, a 19 de Novembro de 1939, embarcou para a Colónia Penal de Cabo Verde sem ter sido julgado, apesar de pender contra ele um processo no TME. Viola esteve 75 meses preso preventivamente, “aguardando um julgamento” que nunca se realizou.
Sebastião Viola passou 23 dias na «Frigideira». A sua família requereu várias vezes ao Ministro do Interior autorização para “ir a Cabo Verde com o advogado, pagando a família todas as despesas“, uma vez que ainda não se realizara o julgamento. A sua família tentava proporcionar-lhe o conforto possível. Em 1945, foi o primeiro dos amnistiados a chegar à Metrópole.
Regressou do Tarrafal a 13 de Novembro de 1945 e voltou para Silves.
Seguidamente, foi para Lisboa, onde se empregou num escritório.
Em Lisboa Viola continuou, durante alguns anos, a atividade política no PCP.
No entanto, a sua saúde mostrava já os efeitos dos maus-tratos recebidos no Tarrafal. Gradualmente, por muita insistência da mulher, foi-se desligando das atividades clandestinas.
Em 1952, por morte do seu irmão, João Viola, industrial de cortiça, Sebastião Viola regressou a Silves, onde ficou a trabalhar até 1962, gerindo a unidade fabril da família.
Em 1962, Sebastião Viola regressou a Lisboa, indo depois para o Montijo, onde se estabeleceu com um fabrico de cortiça. Aí ficou 18 anos. A sua saúde, física e mental, muito abalada pela experiência sofrida no Tarrafal, degradou-se notoriamente, pelo que passou internado os últimos cinco anos de vida.
Sebastião Viola faleceu a 17 de Janeiro de 1980, em Alcochete, tendo sido sepultado no Montijo e transladado, posteriormente, para Silves.
Cândido Capilé
Cândido Martins dos Santos Capilé, filho de António dos Santos Capilé e de Maria Rosa Martins, nasceu em Silves. Destacou-se no MUDJ nos anos 50, tendo aderido ao PCP.
No fim da década de 50 foi um dos mais destacados ativistas, assumindo o controlo dos corticeiros silvenses. Após a campanha de Humberto Delgado, disponibilizou-se para entrar na clandestinidade e ir para a Margem Sul coordenar as lutas dos corticeiros. Foi Francisca Galato Caeiro que reuniu em Setúbal com Guilherme da Costa Carvalho, seu controleiro, e que trouxe Cândido Capilé para a Margem Sul. Na Cova da Piedade, Aquilino Mourinho, Salvador Martins Correia e Cândido Capilé destacaram-se na organização dos corticeiros. No dia 11 de novembro de 1961, foi assassinado em Almada, no decorrer de uma manifestação contra as eleições que decorriam.
Manuel Bôto
Manuel António Bôto, filho de José António Bôto e de Maria Antónia Bôto, nasceu em Silves, a 26 de abril de 1907. Este ferroviário anarco-sindicalista teve um papel preponderante na organização do 18 de janeiro de 1934 no Sul, nomeadamente no Barreiro e no Algarve. Manuel António Bôto deu entrada na PVDE de Lisboa, a 5 de fevereiro de 1934, sendo despronunciado. Foi incriminado noutro processo e julgado pelo TME a 12 de maio de 1934, sendo absolvido. A 7 de junho de 1936, emigrou clandestinamente para Espanha, onde participou na guerra civil, alistando-se no V Regimento.
Foi preso e extraditado pelos falangistas no fim da guerra. Regressado a Portugal, foi preso em 1 de outubro de 1940 no Posto de Beirã, tendo sido enviado para o Tarrafal, de onde regressou a 16 de novembro de 1945.
Emigrou para o Brasil, por intermédio do ferroviário e xilógrafo Manuel Cabanas. Radicou-se em São Paulo, onde em 1966 escreveu as suas memórias. Regressou a Portugal depois do 25 de abril de 1974. Desconhece-se o seu percurso posterior.
Domingos Passarinho
Domingos dos Santos Passarinho, filho de Gabriel dos Santos e de Maria do Carmo, nasceu em Silves em 1891. Foi no século XX, e especialmente durante a I República, o mais destacado dirigente anarquista da Associação de Classe dos Corticeiros de Silves. Era operário na fábrica “Avern, Sons & Barris”.
Foi muitos anos Presidente da AC e membro da Comissão Delegada dos Operários Corticeiros. Conduziu muitas greves com discernimento e sangue-frio. Era muito querido entre os corticeiros e respeitado pelos patrões.
Levou a cabo a organização da cooperativa de consumo “A Compensadora”, a compra da sua sede, a angariação de fundos para as obras e a colocação em situação de segurança em tempo oportuno, da propriedade da Associação de Classe Corticeira, revelando uma perfeita visão dos acontecimentos, em consequência da Constituição de 1933.
Foi preso várias vezes devido às greves. A sua última prisão foi na sequência do 18 de janeiro de 1934. Foi condenado a 90 dias de prisão. Não se conhece a atividade política posterior.
Faleceu a 24 de maio de 1980, em Silves.
Bibliografia
Livro “Silves e o Algarve. Uma história da oposição à Ditadura” e “Presos Políticos do Algarve” (Maria João Raminhos Duarte)
Agradecemos a colaboração de uma sobrinha de António Estrela, Ana Godinho, e do ex-Presidente da Câmara de Silves, José Viola.
Este texto é um trabalho feito no âmbito da disciplina de História, pelas alunas:
– Anita Martins; Diana Simão; Inês Pereira; Sofia Cruz
Escola E B 2,3 Dr. Garcia Domingues, turma 9ºB.