Já alguém, referindo-se ao risco de se ficar sem a carteira, a propósito das conhecidas, e justas, manifestações de lesados bancários, comparou o ato de se entrar numa agência bancária com o de se entrar no elétrico 28 de Lisboa, aconselhando todos os cuidados.
Evidentemente que se trata de uma hipérbole, um exagero propositado mas compreensível para melhor tradução da revolta e indignação geradas pela ilicitude do facto. Ou, talvez nem tanto exagerada assim seja aquela imagem, atento o que nos conta a jornalista Helena Garrido no seu livro, muito recentemente publicado, sob o título “A Vida e a Morte dos Nossos Bancos, como os banqueiros usaram o nosso dinheiro e ele desapareceu”, cuja leitura vivamente se aconselha.
Nesta coluna já houve oportunidade de se abordar alguns exemplos de práticas bancárias ilícitas. Hoje, um outro caso mais.
O Código Civil no seu artigo 694º dispõe que “É nula, mesmo que seja anterior ou posterior à constituição da hipoteca, a convenção pela qual o credor fará sua a coisa onerada no caso de o devedor não cumprir”. Isto é, proíbe os chamados “pactos comissórios”.
Explicando com um exemplo simples: alguém pede um empréstimo bancário de, por hipótese, 25.000 €, hipotecando, para garantia do mesmo, a sua casa que vale 50.000 €. O que aquela norma legal visa obviar é que, no caso de incumprimento do reembolso devido do empréstimo, o credor possa automaticamente apropriar-se da casa dada em garantia – de valor bem superior ao valor do empréstimo -, por via de uma cláusula aposta no contrato estatuindo essa possibilidade.
Como é “dada a volta” a esta proibição legal, por exemplo nos contratos de leasing, é o que se passa a abordar. Mais propriamente por via dos contratos de leasing restitutivos. Pois, como é consabido, um vulgar contrato de leasing, leasing “tout court”, consiste, basicamente, em o financiador adquirir a terceiro o bem a financiar para de seguida o colocar à disposição do utente, mediante o pagamento, por este, de uma renda, com a opção de compra decorrido determinado prazo.
Porém, imaginou-se uma variante – o contrato de leasing restitutivo, também denominado “lease back” -, neste caso, aquela pessoa que necessita do financiamento de 25.000€ vende por este valor aquela sua casa que vale 50.000 € ao financiador, a título de garantia do crédito concedido, e, subsequentemente, o financiador faz-lhe um contrato de leasing sobre essa casa, que era sua, e que assim, por via das rendas a continua a fruir, podendo no futuro vir a readquiri-la caso exercite a tal mesma opção de compra. O problema é se por qualquer circunstância as coisas não correrem de feição e vier a não puder cumprir com o pagamento das rendas desse leasing e/ou não conseguir operar a opção de compra. Caso tal suceda, o financiador não se torna proprietário da casa em resultado de um qualquer pacto comissório, não se torna proprietário porque já o era, por via da aquisição anteriormente concretizada. E, assim, fica “dada a volta” à dita proibição, fazendo-se entrar pela janela o que não é lícito entrar pela porta.
Não se está a querer dizer com isto que, contrariamente ao contrato de leasing mais vulgar, leasing “tout court”, o leasing restitutivo ou “lease back” seja proibido, mas sim que este pode esconder o intuito de obviar ao pacto comissório, cuja proibição tem por base evitar o aproveitamento por parte dos financiadores das situações de fragilidade dos devedores, evitar situações de extorsão, derivada de contratações em estado de necessidade ou sob coação, como no exemplo dado, de assinalável desproporcionalidade entre o valor da casa e o valor do crédito.
Há que ver, por isso, se na situação concreta o uso do contrato de leasing restitutivo apenas serviu para tornear a aludida proibição legal e apenas para garantia do crédito concedido.
O que implica a sua nulidade.