Atropelado pelo próprio carro – A sua seguradora terá de pagar os danos?

Já é consensual o entendimento pelos tribunais, mas não era até há pouco mais de meia dúzia de anos atrás, de que as seguradoras estão obrigadas a indemnizar terceiros por danos propositadamente causados pelos condutores com os seus veículos, podendo a estes, subsequentemente, exigir o que pagou em sede de direito de regresso, direito este que já se abordou nesta coluna.

Mas, imagine o leitor que alguém lhe furta o seu carro e que na fuga o atropela. Será que a sua seguradora, com a qual celebrou a apólice de responsabilidade civil do seu carro, estará obrigada a indemnizá-lo dos danos por si sofridos provocados pelo atropelamento do seu próprio carro, tal como se fosse o leitor a atropelar acidental ou propositadamente um terceiro?

A resposta a esta questão, que aliás foi objeto de recente acórdão do Tribunal da Relação de Évora (TRE), é que não é consensual. Pois, perante um caso concreto ocorrido que se lhe colocou, vejamos como este tribunal superior decidiu. Ora, desde logo se avance que decidiu “não decidir” para já a questão, aliás, sabiamente, como mais adiante se verá.

O caso foi esse, o de alguém que foi atropelado pelo próprio carro no ato de fuga do gatuno, e, tendo pedido à sua seguradora a indemnização pelos danos sofridos, a mesma recusou. Face à recusa, a pessoa lesada instaurou um processo contra a seguradora no Tribunal da Golegã, mas este tribunal acabou por dar razão à seguradora, fundamentando com o estatuído no artigo 15º, nº3, do Regime de Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil Automóvel o qual dispõe que “nos casos de roubo, furto ou furto de uso de veículos e acidentes de viação dolosamente provocados o seguro não garante a satisfação das indemnizações devidas pelos respetivos autores e cúmplices para com o proprietário”.
Inconformado, o lesado apelou para o TRE, e este tribunal, pelo aludido acórdão, aliás, de eminente brilhantismo, tendeu claramente a dar-lhe razão, referindo, nomeadamente, que custa a aceitar aquela norma a excluir um peão do direito a ser indemnizado pelo simples facto de ser proprietário do veículo que o atropelou conduzido pelo gatuno na fuga, quando, quer o direito nacional quer o direito comunitário, conferem esse direito aos peões, porquanto, nos acidentes com veículos estão numa posição de manifesta enorme inferioridade.
Porém, acrescenta o TRE, uma vez que o direito comunitário com as “Diretivas Automóvel” pretende harmonizar as diversas legislações dos Estados-membros, há, por conseguinte, que consultar a entidade comunitária competente – o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) – como deverá ser interpretada aquela norma do artigo 15º que suscita dúvidas.

É que, e finaliza assim o TRE o seu acórdão, “na verdade, não estamos perante questão de direito resolvida por jurisprudência constante do Tribunal de Justiça nem de questão de interpretação evidente para o Juiz Nacional, como se demonstra pela singeleza da decisão proferida em primeira instância que se bastou com a integração dos factos provados nos indicados preceitos legais. Trata-se, antes de uma questão de interpretação das normas comunitárias aplicáveis, sendo responsabilidade do Tribunal Nacional apurar junto da instituição comunitária competente da correta interpretação dos pertinentes artigos da Diretiva atualmente vigente, a qual se apresenta como fulcral à decisão do presente caso, dela dependendo a confirmação ou a revogação da decisão recorrida, em conformidade com a resposta que venha a ser dada”.

Concluindo, a resposta apropriada à questão dependerá da clarificação que o TJUE vier a estabelecer quanto à interpretação do artigo 15º do Regime de Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil Automóvel.

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